16/05/2011

suite et fin



"O ônibus começou a frear e o barulho do motor retendo-se cresceu às minhas costas.

'E para onde tu vai?', eu perguntei, quase sem escutar minha própria voz.

O ônibus encostava, a porta já vinha aberta.

'Vou para a França', ela falou, esforçando-se para não ter a voz abafada pelo ruído dos automóveis.

Marta levava a mão ao suporte que a ajudaria a subir no ônibus, e eu não sabia o que dizer. Eu sentia calor, cansaço, e o barulho dos carros passando me envolvia numa espécie de massa de ruído, uma espécie de bolha que me impedia o acesso a qualquer outro som que não fosse aquele enervante dos motores dos automóveis passando sem cessar ao nosso lado. Através da bolha, vi que Marta subia no ônibus. Ela já tinha alcançado o último degrau quando finalmente eu disse: 'tu me escreve?', e consegui sorrir, furando a bolha: 'um cartão-postal?".

Os carros continuavam a passar em grande velocidade e eram cada vez mais numerosos. Marta já estava dentro do ônibus, que começava arrancar novamente.

'O quê?', e a porta se fechava.

'Tu me escreve?', berrei, formando uma concha com as mãos.

A porta do ônibus já tinha se fechado, e inúmeros, infinitos automóveis passavam em alta velocidade ao meu lado, produzindo aquele barulho que enchia meus ouvidos. Mas acho que consegui ler os lábios de Marta, sorrindo por trás do vidro:

'Escrevo.' "

Amilcar Bettega, O puzzle (suite et fin), Os lados do círculo, Companhia das Letras, 2004. p. 154.

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