10/02/2011

Os lados do círculo, Amilcar Bettega

“Os lados do círculo” de Amilcar Bettega (Companhia das Letras, 2004) me causou aquele tipo de impressão muito forte. Li e venho relendo o livro com prazer e deslumbramento renovado. Uma das melhores coisas que li nos últimos anos. Interessante como Amilcar muda o foco de sua obra sem perder a qualidade e resguarda um estilo muito particular. Se em “Deixe o quarto como está”  a narrativa de cunho absurdo era predominante, como no conto do sujeito que toma um trem e não consegue deixar a cidade, ou o já famoso conto do “Crocodilo”, na geléia de “Hereditário”, ou no meu favorito, “Espera”, onde o absurdo emerge da esperança levada às últimas consequências - e suprimindo o real, causa um tipo de dilatação tenebrosa, a voz que se afasta continuamente sem nunca partir por completo; em “Os lados do círculo”, Amilcar joga com a ideia de circularidade, joga com pistas sutis que conectam, ou sugerem conexões entre as personagens e entre as narrativas, cria uma atmosfera singular que transcende a ambientação na cidade de Porto Alegre. Amilcar consegue unir duas coisas sensacionais na sua prosa. Transitar na forma e criar atmosferas. Transitar na forma do círculo violento de “Verão” ou no eterno retorno de “Círculo Vicioso”, ou subvertendo a estrutura narrativa no jogo de enunciados descritivos de “The end”. Criar atmosferas, produzir círculos que prendem o leitor num emaranhado sensorial inescapável, como “A aventura prático intelectual do Sr. Alexandre Costa” ou “Teatro de bonecos”. E se joga com metalinguagem, ao fazer de um questionário de entrevista uma história, em "A/c editor cultura segue resp. cf. solic. Fax", é sem o mínimo de afetação. A metalinguagem surge como uma consequência natural da vasta consciência literária e num tom de verdade que não deixa espaço para descrença ou enfado do leitor.

Amilcar é um criador de atmosferas. Seus contos são climatizados, é como se fôssemos levados pelo braço a adentrar um espaço novo; e toda vez que adentramos um espaço novo, imersos na estranheza, nossos sentidos são inevitavelmente potencializados, aguçados diante da carga sensorial descarregada sobre eles. É praticamente impossível não se deixar contagiar com sua escrita. Seja pela qualidade com que manuseia a língua, seja pela habilidade em contar histórias de um modo tão próprio. 

E isso tudo só me faz ficar ansioso pelo próximo livro (que será um romance?), fruto da viagem à Istambul.

Leitura de cabeceira.

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oi.