27/10/2015

mudança





Faz tempo que venho adiando a mudança desse blog pra outro espaço. São seis anos, já. A partir de agora: novos textos só no medium.  Lá vc pode acompanhar o making off do livro que estou escrevendo: aqui.

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14/10/2015

Literatura é só ficção?

Freud nunca ganhou um Prêmio Nobel de Medicina, mas foi cotado para ganhar o Nobel de Literatura, em 1936. Isso diz muito sobre a natureza da Psicanálise, mas também sobre a natureza da literatura. 

O nobel desse ano, como sempre, gerou polêmica. Na pequena província dos debates literários facebookquianos, sujeitos mais empolgados tem trocado farpas e textões enfezados. 



Svetlana Alexievich, escritora bielorrussa, tem apenas uma obra dublada para a língua de Camões, nenhuma para a língua de João Cabral, mas pelas resenhas que se encontra por aí, dá pra ver que essa senhora não gosta muito de elfos, anões, abduções, detetives, livros sobre livros, funcionários públicos, executivos e artistas plásticos e universitários melancólicos vivendo o drama da vida líquida e fragmentada em saguões de aeroporto. Está mais próxima da reportagem com viés literário e do relato não-ficcional. A turma da ficção torceu o nariz.

Mas a verdade é que a ficção não é condição necessária nem suficiente para que se tenha literatura.

"Se é certo que muitas obras estudadas como literatura nas instituições acadêmicas foram 'construídas' para serem lidas como literatura, também é certo que muitas não foram. Um segmento de texto pode começar sua existência como história ou filosofia, e depois passar a ser classificado como literatura; ou pode começar como literatura e passar a ser valorizado por seu significado arqueológico. Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a outros tal condição é imposta. (...) Não seria fácil isolar, entre tudo o que se chamou de 'literatura', um conjunto constante de características inerentes. Na verdade, seria tão impossível quanto tentar isolar uma única característica comum que identificasse todos os tipos de jogos. Não existe uma 'essência' da literatura". (EAGLETON, Teoria da Literatura - Uma introdução, 2003, p. 12)

Colocar a linguagem em primeiro plano e levar em conta sua "organização interna" não é condição suficiente para chamar um texto de literário. Como diria Culler, nada é mais organizado que uma lista telefônica.

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Numa época que se anuncia todo dia o fim do jornalismo, eis que a academia sueca vem oferecer a maior laura institucional que um profissional das letras pode sonhar a uma repórter. Por um lado, isso aponta algo mais ou menos óbvio: a ficcionalidade não é propriedade determinante do texto literário. Por outro, anuncia que a reportagem à moda antiga, expulsa dos jornais, ganhou uma espécie de autonomia, e um certo status artístico, algo que começou principalmente com Capote e Gay Talese.

Calhou dessa questão bater de frente com um assunto que estou me debatendo no meu TCC, onde proponho uma leitura de Memórias do Cárcere a partir do jornalismo literário.

De acordo com Antônio Cândido, Graciliano abandonou a escrita ficcional porque a forma romance não correspondia a suas necessidades de expressão. 

Ao contrário de muitos outros romancistas de ofício, cujo romance é uma forma de expressão plenamente satisfatória, Graciliano procura outro caminho. Cândido aponta uma tendência: o escritor segue uma trajetória que começa na ficção, com os romances, mas vai aos poucos despencado naturalmente no relato confessional e de não-ficção.

"Sente-se constrangido na ficção e abandona-a para sempre no apogeu das capacidades, com apenas quatro livros publicados. O desejo de sinceridade vai doravante levá-lo a retratar-se no mundo real em que se articulam as suas ações". (CÂNDIDO, Ficção e Confissão, 2006. p. 91).

Um levantamento feito por Nelson Pereira dos Santos (que adaptou o livro para o cinema em 1984), aponta que há 237 personagens (!) citados em toda obra. Baita reportagem. As memórias de Graciliano estão, portanto, voltadas para fora, e nesse sentido, estão próxima dos objetivos de uma narrativa jornalística. E são, evidentemente, grande literatura.

A questão, nesses casos, não é perguntar se um texto não-ficcional pode ter status literário. Pode, isso é mais ou menos óbvio. O problema é dizer que esses relatos, qualquer relato, pode ser verdadeiro. Ou apenas uma versão aproximada do fato. Aí, já é outra história.