15/12/2011

três corações

Foi num sábado.

E sábado, além da cerveja, da cachaça, da travessa de torresmo ou de mandioca, havia o olhar de esperança no rumo do ponto de ônibus, na ponta da praça. 

Esperança de que aparecesse alguma mulher diferente daquela meia dúzia de mulheres que a gente já tinha decorado todas as pintas e dobrinhas das costelas. Diferente dessas meninas que a gente viu correr de nariz escorrendo e pés descalços. Tomar bomba em matemática na sétima série, cair de bicicleta e vomitar de fora da boate. Ser coroada na igreja, tocar lira na Fanfarra, empelotadas e bocejando nos pelotões de Sete de Setembro. 

Primeira comunhão, primeiro beijo. 

E trocar o perfume Thaty por alguma fragrância Boticário. Às vezes, se casar e se separar. Parir e tirar filhos. Ir embora cursar faculdade nalgum lugar distante. Algumas voltavam formadas, ou com o maridão obscuro ao volante do carro de vidros fechados. Outras, vinham sozinhas empunhado o queixo contra vento venci na vida e vocês ainda estão aqui nessa vidinha male ou meno?. A maioria, claro, sumiu sem dar explicação, como tudo nessa vida.

Mas acontece que essas mulheres, que a gente nunca deixou de chamar de meninas (mesmo quando fala mulheres), são quase nossas irmãs. Sabemos tudo sobre elas. Elas sabem tudo sobre a gente. 

Não dá liga. 

Restava esperar. A ponta da praça. Encarar aquele ônibus à espera de um novo messias de saia.


***


02/12/2011

Três ou quatro pontos sobre "A árvore da vida"





1) A árvore da vida (The Tree of Life, 2011), de Terrence Malick, é um filme que dialoga diretamente com o livro de Jó. Já na epígrafe, nos deparamos com um recorte do cap. 38. O cap. 38, é composto por um longo poema, é a primeira resposta de Deus a Jó. Até ali, Jó está emparedado no silêncio de Deus, com o corpo cheio de feridas, indagado pela mulher: “Persistes ainda em tua integridade?”. E Deus calado. Mudo. Indiferente. A postura de Jó diante do sofrimento é a contemplação: se aceitamos o bem que Deus nos dá, por que não deveríamos aceitar o mal? (Deus oferta o mal?) Todavia, quando finalmente vem a resposta de Deus, composta por uma série de perguntas, longe de esclarecer a Jó sobre a razão de seu sofrimento (sobre a questão ontológica do sofrimento no mundo), a resposta desvela um mistério ainda maior. Um abismo que aponta para insignificância da existência humana, do estar no mundo. E nesse ponto, é Jó quem se cala. Sem sombra de dúvidas, um dos textos mais misteriosos, belos e fascinante das escrituras.




2) As cenas iniciais do filme de Malick tratam de duas vias para fruir a vida. O caminho da Graça e o caminho da Natureza. O caminho da Graça é o caminho da contemplação, da suspensão dos juízos, da fé. Já o caminho da Natureza, é o caminho da estética, dos prazeres. Essa questão retorna no sermão do pastor (ou padre). O pastor explana sobre Jó. Fala como o sacrifício próprio, o sofrimento, a retidão de caráter, a integridade, não evitam nada. Nada nos salva da desgraça. Ela sempre esteve aí e sempre vai estar. E mesmo Jó, que era o mais justo dos servos de Deus, não conseguiu evitar que a desgraça caísse sobre sua vida, de uma hora para outra. E sem razão. Sem um telos, sem finalidade nenhuma. Tentar viver no caminho da Graça, de modo algum, evita que a Natureza (matéria cega, a finitude, a desgraça), nos esmague de uma hora para outra.




3) Tudo vai acabar, não importa o que você faça ou como tente evitar. Não temos para onde fugir. É disso que o padre nos fala (nos lembra). Acho que, em certa medida, o padre aponta para visão de Kierkegaard. Não dá para ancorar a existência na fruição estética, inventariar prazeres, porque essas coisas são efêmeras. Tampouco dá para ancorar-se em valores morais, no dever para com as ideias gerais. A única saída é saltar no Absurdo, afinar o coração no eterno. A transcendência.




4) Eu lhe dei um murro na cara sem motivo. O que mais agradou no filme (além do uso fabuloso dos monólogos, da fotografia exuberante, da narrativa fragmentada), é a possibilidade que Malick nos dá de pensar o laço entre pai e filho (Por que ele nos machuca, o nosso pai?), em relação aos laços das personagens com Deus (Onde estava tu?). É como se a paternidade fosse um castigo a ser espalhado.




5) De resto, penso que: se em Melancholia (Lars von Trier, 2011) a constatação da existência como mal aponta para o desaparecimento como única saída viável, em A árvore da vida a constatação é: o homem não é a causa (única causa) do mal e do sofrimento (uma ideia mais ou menos cristalizada). Se existe algo de bom no mundo (a Natureza, Deus, o Universo são indiferentes e fechados em si mesmos), o homem é a única causa desse bem. Precário, frágil. E fadado ao fracasso, claro.


16/11/2011

Sobre sinais, digestão, chuva e bombinhas no recreio





Porque aconteceu muita coisa bonita nesses últimos dias. Eu queria escrever uma coisa bonita agora. Mas eu sei dos meus limites. Logo atravessaria a linha da ternura e cairia na fenda do ridículo, como nessa frase que acabei de escrever. 

E queria frases que estalassem feito bombinhas no recreio, debaixo de tijolos e latinhas de milho-verde voando enfumaçadas pro alto, cheirando a pólvora vagabunda e repicando sete vezes nas pedras do pátio.

Alguma coisa que farejasse o ruído da chuva quando desce sobre as pedras, lavando a areia. 

Alguma coisa sobre quebrar ovos. Perder o ônibus porque um outro ônibus quebrou na chuva.

Dizer que há uma lição ou um sinal nisso tudo (não podemos controlar tudo).

Mas não é bem isso. Não é nada de lição ou sinal pregado no céu, você sabe.

Nada de minutos de sabedoria, se bem que a gente não pode evitar.

Só aprender a calar. É o segredo de quase tudo na vida. O complicado é acertar na afinação do silêncio.

E acho que os grandes caras que conheci nessa vida, não são aqueles que têm algo a dizer sobre tudo. 

São aqueles caras que sabem calar na hora certa. E com estilo, é claro.

Nada mais óbvio.

Aconteceu de um cara me cercar na beira do balcão e falar que encontrou uma carta que escrevi pra ele mandar pra uma namoradinha dele há uns 15 anos atrás. E o cara me disse que usou aquela mesma carta por anos. Cambiava apenas os nomes das mocinhas e mandava.

Tenho pra mim, que deve ser a coisa mais bonita que já escrevi na vida. 

A coisa mais útil, pelo menos. 

Porque o cara disse que a carta sempre funcionou pra todas as meninas que ele mandou.

E pra menina que eu mandei (pra menina que tinha me impulsionado a escrever aquilo), a carta nunca funcionou.

E talvez tenha sido esse cômico desastre a me ensinar desde cedo que escrever não muda nada no mundo. Não corresponde a demandas senão aquela demanda mesma que a gera. Sem mais.

Afinal, o que ganha o sol se autoaniquiliando por si mesmo com a constante demanda de tristes poemas mal escritos?

Quando muito, um retrato falso e malacabado.

Ainda bem.


Aconteceu da gente tomar uma chuva tenebrosa no alto da serra, você se lembra?

E as meninas ainda tentando terminar de fazer a carne na chapa, enquanto todo mundo juntava as coisas. Depois, eu fiquei reparando meu amigo escalando a trilha com o filho nas costas, reparando na hora que ele pegou uma toalha, jogou sobre o corpo do menino, miúdo, os cabelos ensopados, escalando. E descalço, porque ele não podia molhar o tênis, ia jogar bola mais tarde.

E sabe que tinha alguma coisa muito bonita ali, naquela chuva caindo sobre eles ali no meio daquela serra? Mas não disse nada a você. Não disse nada, porque talvez eu achasse que o legal era não dizer. 

Nunca é fácil construir diálogos interessantes, principalmente na realidade. 

Mas tinha alguma coisa, uma dessas coisas que não dá pra dizer. Dessas coisas que talvez você, eu, todo mundo sente exatamente o que é.

Não se explica. E não precisa explicar pra funcionar ou entender.

Como respirar. Ou digestão. Alguma coisa assim.


08/11/2011

Pequeno inventário em quadrinhos sem figuras


Usado esporadicamente ao fim do expediente para dormir, tomar banho, pedir pizzas, pensar em suicídio e não atender ligações de amigos. O apartamento não pode ser usado para apartar dores de cabeça, mas costuma ser útil para apartar relações. Serve também para espiar outros apartamentos no prédio da frente, onde outras pessoas dormem, assistem seriados, acessam o Redtube e pensam em trocar de apartamento. Um recente estudo publicado por Isaac Barbatov, nos Anais da Sociedade Búlgara de Apartamentos, revelou que os apartamentos mais seguros, com ar-condicionado e financiamento quitado, são completamente ineficazes na preservação da felicidade.

Bar underground.

Abre todos dias, mas o dia mais underground do bar undergroud é na terça. Na terça, você encontra esse fotógrafo barbudo de camisa xadrez, comentando sobre a inovação estética do novo filme do Lars von Trie, depois falando mal do Capitalismo, de Deus, da Igreja Católica e do Papa, enquanto mostra no seu iPhone uma foto da Sagrada Família do Gaudí, e diz que quando você se move o Universo se move ao seu favor.

Brasil.

Na semana passada, dois jovens nerds de Bauru construíram um aparelho que permite fotografar imagens do Século XXII. Ao revelar as imagens, um deles jogou gasolina no corpo e ateou fogo. O outro saltou na frente de uma carreta numa rodovia. As imagens não foram encontradas.

Teatro.

Cena. Montagem. Arte da incorporação de outros seres, espiritismo com maquiagem e sem doutrina. Imitação. Pode, ou não, apresentar função religiosa e/ou pedagógica. Piadas ao vivo. Fingimento. Evento financiado por dinheiro público cuja entrada custa mais de 30 reais.

Cinema.

- Você já amou alguém?
- Não, mas vi o filme.




07/11/2011

Sr. Walkman



Todo lugar tem seus personagens exóticos. Em Luminárias, há muitos. E ontem me lembrei de um sujeito que andava com um rádio debaixo braço. Antena em riste. Volume alto.

Às vezes era indo pro ribeirão que topava com o sujeito. Ele ia à beira da estrada, numa toada contemplativa - o rádio no colo, trabalhando sereno.

Não era partidário dos fones de ouvido (pra isso bastaria adquirir um walkman, que era o que existia na época). Mas não. Usava um motorádio, com o volume sempre no talo. Era como um desses carros cheios de equipamento de som a zanzar por aí. Compartilhando seu gosto musical com todos que cruzassem seu caminho.

Algumas vezes, voltando pra casa de madrugada, eu ouvia uma música se aproximar por detrás de uma esquina. Então topava com o sujeito. Tranquilo, sintonizando a estação, espantando os chiados à medida que avança.

Sempre sozinho.

Outro fato curioso, embora faça muito sentido, é que o sujeito costumava frequentar com assiduidade os pontos mais alto da cidade. Nalguma vezes, ia até o Morro do Cristo, tentar ampliar ao máximo a capacidade de recepção do aparelho.

Dá pra imaginar: fosse visível ao olho do homem, as ondas, arrastando a beleza triste das modas caipiras, iam cobrir o céu - um céu de Monet. Vento na cara, sorriso largo, empunhando a antena enquanto ia passando delicadamente de uma estação pra outra, como quem pintasse um quadro.

Há uma grande ternura quixotesca nisso tudo.

Costumava ser motivo de risada na cidade. Afinal, parecia não se importar muito com as coisas, exceto com seu rádio. Ou era meio maluco, é o que todos diziam. É o que todo mundo diz quando alguém segue o próprio rumo.

Pra mim, esse sujeito sempre foi uma espécie de walkmam em pessoa. 

Faz muito tempo que não o vejo, e nem sei mais se mora por aqui. Mas se descesse pela rua à noite, e ouvisse um rádio chiando, acho que ficaria feliz.

25/10/2011

"De tudo fica um pouco"

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Já tinha comentado no twitter  e no facebook. De toda forma, fica o convite.

São dezesseis autores e cada um participa com dois contos.
Os meus são Silenciosamente e A calha.

A organização é do Assis Brasil.


clique na imagem pra ampliar.

O excelente trabalho de edição é da Editora Dublinense, de Porto Alegre, coordenada pelo Rodrigo Rosp, que também assina a orelha. Na quarta capa, texto do Amilcar Bettega Barbosa.

A arte da capa é do Samir Machado

Ah, aos queridos leitores de longe que não vão poder ir ao lançamento, já dá pra comprar o livro pelo site da editora.

É isso aí. : )


20/10/2011

Febre, Raymond Carver: narrar é resistir

Carver, em Iowa (1963)
Fonte: http://thisrecording.com



Eu fico cada vez mais impressionado em como o Carver consegue ser tão bom. Alguns contos não saem da minha cabeça. O mais recente é o conto Febre, que faz parte do livro Catedral, (que está incluído no estupendo 68 contos de Raymond Carver, editado pela Companhia das Letras, 2010). É a história de um professor de "Educação Artística" do "Ensino Médio", chamado Carlyle, que é abandonado pela mulher, Eileen, depois de 18 anos de relação. O casal têm dois filhos pequenos. Eileen vai embora e deixa Carlyle sozinho com as crianças.

Carlyle está bem encrencado. O conto abre com a contratação desastrosa de uma babá adolescente. Carlyle chega do trabalho e encontra as crianças no jardim de fora da casa. Há um cachorro cuja boca poderia devorar a cabeça das crianças, lambendo o rosto de uma delas. Carlyle está mesmo muito encrencado. As janelas da casa vibram com o som alto. Carlyle apanha as crianças e entra em casa. Lá dentro, se depara com adolescentes ouvindo Rod Stewart no talo e tomando cerveja. E não há nada melhor para mostrar como a vida desse sujeito está uma bagunça. Carlyle está na sala da sua casa, com as duas crianças no colo, discutindo com adolescentes bêbados (WTF? Quem são essas pessoas na minha casa?) ao som de Rod Steward (Rod Stewart, que cena). 

Carlyle precisa de alguém para ajudá-lo a colocar as coisas nos eixos. Ou, pelo menos, é isso que ele acha que precisa. 

*** 
(se você não leu o conto, não leia daqui pra baixo, contém spoilers)

O conto é narrado em terceira pessoa, mas como a focalização está em Carlyle, o filtro das impressões é orientado pela perspectiva dele. Então não sabemos muito sobre Eileen. Apenas as ligações constantes que ela faz a Carlyle (essas ligações, aliás, estão entre os melhores momentos do conto), e uma ou outra memória em tom de sumário que o narrador nos oferece. Sabemos que Eileen se envolveu com outro professor, amigo de Carlyle, e foi tentar uma obscura carreira artística. Aquele clichê de correr atrás de seus sonhos, não importe o tempo que passar. Sabemos que Eileen tinha deixado isso de lado em algum momento do passado. Essa pretensa carreira artística. E que esse desejo estoura (ou serve de vazão para outras frustrações não mencionadas), no meio da rotina maçante e sufocante. Ela aborta a relação e vai seguir seus sonhos juvenis, sem se importar muito com Carlyle ou com as crianças (embora sempre insista em dizer que se importa). 

*** 

Tem uma mulher chamada Carol, com quem Carlyle tem saído. Uma colega de trabalho. Mas há uma grande fissura nessa relação. Por mais que Carlyle tente, ele nunca consegue estar totalmente com Carol. Há uma cena que ilustra bem essa passagem. Os dois estão sozinhos na casa de Carlyle e o telefone toca. É Eileen ligando (o passado ligando e atormentando Carlyle). Carlyle sabe disso e não quer atender. Mas Carol diz que talvez seja algo importante (algo mais importante que ela). E Carol diz isso e vai embora. 

*** 

Mas a personagem mais cativante do conto é a Sra. Webster. Uma babá já de idade que é indicada por Eileen. A Sra. Webster cuida das crianças, cuida de Carlyle. A Sra. Webster faz bolinhos, a Sra. Webster é quase uma mãe. Bendita seja a Sra. Webster.

O aparecimento da Sra. Webster no conto coloca as coisas nos eixos. É exatamente aquilo que Carlyle precisava. Quase um Messias. E a tensão da narrativa aponta para uma solução. Mas logo Carlyle cai numa crise de febre, fica afastado da escola, e as coisas começam a complicar. Já não bastasse a febre que toma conta de Carlyle, a Sra. Webster diz que precisa ir embora. Ela e o Sr. Webster arranjaram empregos em outro estado e não podem recusar. Porque o Sr. Webster já está velho e há muito tempo está desempregado. E é aqui que vem a cena final do conto, onde Carlyle narra sua história com Eileen para o Sr. e a Sra Webster. Mas não sabemos dos detalhes. A narrativa dessa história não vem em primeiro plano. Aparece apenas como sumário. 

*** 

Carlyle revive a perda da mulher ao perder a Sra. Webster. E é essa segunda perda que permite a Carlyle livrar-se da primeira. Livrar-se de vez, narrando a história toda. Só assim acontece a mudança da personagem. Não é à-toa que a história de Carlyle e Eileen não aparece em primeiro plano, aparece apenas como sumário. Carlyle narra para si mesmo. É ele quem precisa entender as coisas, não seus interlocutores. Carver mostra isso com a descrição das crianças, sentadas, ouvindo o pai contar tudo, como se prestassem atenção e estivessem entendendo. Mas aquela experiência é impossível de ser transferida, impossível de ser narrada ao outro (essa incapacidade dizer para outro, está por exemplo no conto Catedral, onde um sujeito tenta inutilmente descrever a um cego de nascença uma catedral). Ninguém entende e nem precisa entender os detalhes da questão, apenas Carlyle.

*** 

Narrar para superar. É mais ou menos isso que está ali. 

De toda forma, desde sempre os homens narram para tentar expulsar o caos e o vazio das suas vidas. Seja nas narrativas mitológicas das diversas culturas, nos causos, mentiras, canções, narrativas religiosas, na literatura. A memória, por exemplo, é essencialmente narrativa. E por isso mesmo sempre nos prega peças. Deixa as coisas mais suportáveis e mais bonitas. E se não fosse assim, talvez não suportássemos. 

A gente narra para empurrar o caos para longe. Narra contra o vazio à espreita. Narra à beira do abismo. E o vazio não é outra coisa senão a falta de limites. O sentido só existe a partir do limite. 

Narrar é limitar, limitar é definir, tentar colocar as coisas nos seus devidos lugares. Fora do limite, o vazio que engole tudo. Feito o Nada, em A História sem fim. Aquele cão devorando montanhas e rios, memórias e nomes, esvaziando o interior das pedras. Ele sempre esteve aí, sempre vai estar. 

De resto, não há sentido nenhum nessa coisa toda. Senão esse sentido que a gente tenta encontrar, a conta-gotas. Nunca é definitivo, claro. Mas narrar é resistir, e talvez uma das melhores formas de resistir.


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17/10/2011

Monólogos em colisão

Prastene Pohadky, from the collection of Sam Smith
via: 50watts.com




1) A melhor coisa do mundo seria se bastar a si mesmo. Na verdade, a melhor coisa seria nunca ter existido. Mas já que estamos aqui, se bastar a si mesmo estaria de bom tamanho.

2) Ficar sozinho e sem nenhuma relação mais profunda com ninguém. O silêncio da água jorrando sobre a pia enquanto você lava um prato, sozinho. Estirar-se no sofá porque não há ninguém pra sentar do seu lado. Escolher o filme que você quer, sem atrito, no cartaz do cinema ou na locadora, só com suas próprias dúvidas. E ninguém pra perturbar seu sono na cama de casal grande e espaçosa. Nenhum barulho de passos na casa sem ninguém, cheia de plantas. Cadeiras vazias. Vidros limpos e estantes brancas. E mais nada.

3) E se tudo correr mais ou menos bem, uma hora ou outra, você vai sacanear quem você mais ama. Ou vai  levar chumbo de quem diz te amar. E no fim, carregar um caixão e velar um corpo. Ou ser velado por quem mais te ama. Em ambos o casos, sozinho.

4) A gente precisa da alteridade, mas é uma alteridade apenas de identificação: "aquela pessoa não sou eu", em alguns casos: "ainda bem que aquela pessoa não sou eu".  E mais nada.

5) Mônadas opacas e fechadas, cuja única coisa em comum é essa ilusão de estar vivendo ao mesmo tempo. Mas até o tempo tem o ritmo do dono do relógio. Por isso há tanta assimetria. No máximo, estamos aqui vivendo vidas paralelas, esbarrando nas arestas uns dos outros. Ninguém se comunica. Basta se aproximar demais pra perceber o quanto não sabemos nada sobre ninguém. O quanto aquela pessoa legal é estranha, irredutível. Fechada em si mesmo como uma pedra. O quanto você mesmo é uma pedra. E seja pelo filme em cartaz, o estilo da música no rádio, a gente termina falando e falando, ouvindo e ouvindo, batendo cabeça contra cabeça e percebendo que ninguém comunica nada.

6) Só monólogos em colisão.

7) Pedras entre pedras, batendo umas contra as outras.

8) E no fim, apenas o pó.

10) Ideal seria se bastar sozinho. Mas não dá. 


14/10/2011

"o nosso caso é duvidoso"

"Os homens só se convencem das nossas razões, da nossa sinceridade e da gravidade das nossas penas, com a nossa morte. Enquanto vivos, o nosso caso é duvidoso, não temos direito senão ao ceticismo."

Albert Camus, In: A queda





Animação feita por Mike McCubbins para o romance A queda, de Albert Camus. Via Casmurros


13/10/2011

Concurso Guimarães Rosa 2011


Tive um conto selecionado no Concurso Guimarães Rosa (2011), da IV Jornada Guimarães Rosa, organizado pela Sobrames-MG – Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.

Mais informações sobre o evento, que acontecerá nos dias 14, 15, 16/10 em BH: aqui.

É isso.

07/10/2011

Gostava de ficar ouvindo o rádio falar


homem não identificado: APM


Eu não tinha nenhuma expectativa em relação àquela prova pra recenseador em 2000.

Por isso tinha bebido além da conta no sábado. Conhaque. Vodka. O escambau. Acordei no meio da madrugada na casa da minha namorada. E sem entender muito bem o que tinha acontecido na noite anterior.

Tudo bem. Não importava o que tinha acontecido. Nunca levei muito a sério essa coisa de tentar entender o passado. É só um lugar que ninguém nunca visitou. Que você nunca vai visitar. Por isso há tantos boatos sobre o passado. Boatos. Ninguém sabe porcaria nenhuma sobre o passado.

Sei que saí sem me despedir direito. Sem dizer nada. Talvez um grunhido, um beijo de má vontade, uma coisa assim.

Desci pelas ruas vazias, ainda bêbado. E você não imagina como são vazias e silenciosas as ruas de uma cidade tão miúda a essa hora da madrugada. O vigor do silêncio. De repente você está num episódio de O mundo sem ninguém. Nada, exceto carros e caminhões parados de frente as casas de portas fechadas e luzes apagadas e tudo aquilo imóvel como se tudo tivesse sido abandonado.

Vidros suando por causa do sereno. O chiado do transformador num poste de energia. E você pode ouvir os seus passos como em nenhuma outra hora. Às vezes os grilos, ao longe. O barulho de uma televisão que dormiu ligada. E se você der sorte, muita sorte, pode topar com uma coruja descendo em rasante, asas escancaradas, abrindo caminho no vento.

Bati na cama e já levantei como se o tempo não tivesse passado. E se não é o sol escorrendo nos seus olhos, não dá pra acreditar que o tempo passou. Não troquei de roupa. Não comi nada direito. E também não precisei calçar tênis, porque ainda estavam enfiados nos pés. Conferi o dinheiro e o documento enquanto subia no rumo do ônibus, enquanto minha cabeça martelava.

Fiz a prova nas coxas. E não lembro muito bem dos detalhes.

Mas é certo que devo ter usado meu método infalível nas questões de matemática. Letra C de fora a fora. E fora isso, nada. Deixei a sala e avistei uma lanchonete do outro lado da rua. Pedi uma cerveja e duas coxinhas.

De resto, tava tudo bem.

*** 

Não acreditei muito quando me falaram que tinha passado na prova.

Eu conhecia os outros caras que estavam concorrendo pro mesmo lugar que eu. Coisa que não é complicado num lugar onde só há seis mil e poucas pessoas. E os caras eram caras mais velhos e mais estudados, alguns cursando faculdade e tal, enquanto eu ainda me arrastava pra sair do ensino médio.

E acontece que eu tinha passado lá pelas últimas posições. Então acabei ficando com um setor fodido pra caralho. Um lugar no fim do mundo, dentro do fim do mundo. Nos limites do município. Num ermo. Ao pé da Serra do Santo Inácio.

Pra começar, o IBGE não dava condução nem nada. Tampouco ajudinha de custo, nem gorjetinha. Porcaria nenhuma. Eu tinha que me virar. E não era esses cacarecos de hoje, não. Era tudo analógico. Formulários e mais formulários. Mapa, pastas, meia dúzia de canetas Bic. Tudo entulhado na bolsa.

Meu pai resolveu me acompanhar no primeiro dia. Disse que ia comigo no lugar mais complicado.

A gente pegou carona num desses ônibus que vão pra pedreira. E foi até mais ou menos ali na Serra Grande, um pouco antes da entrada pra pedreira do Marcinho. De lá, desceu caminhando. E foi uma hora caminhando até chegar no primeiro ponto marcando no mapa. Uma fazenda dessas maiores, mas não me lembro do nome. Mas me lembro muito bem da fartura do café, da gordura das lascas de queijo fresco.

Foi aí que perguntei sobre uma casinha que tava marcada no mapa. E perguntei como é que chegava lá. O cara disse que não sabia direito, que não ia muito lá pra aqueles lados. Tampouco sabia se esse homem ainda morava lá. E se a casa ainda existia.

Dois ou três sítios depois, já era hora do almoço. A gente atravessou um córrego e entrou numa mata bem fechada. Daí, entrou numa trilha cortando um pasto alto e vazio, sem sinal de criação ou qualquer coisa do tipo. 

Meu pai disse que não tinha nada lá, mas que fazia muito tempo que ele não passava ali. Eu disse que tudo certo. Tudo certo e tudo bem. Mas é que tinha um sinal no mapa, porque no outro Censo alguém tinha passado ali e marcado aquela casa. Morava um homem lá.

Já deve ter morrido, disse meu pai.

Eu olhei aquela trilha cheia de mato e pensei que talvez meu pai tivesse razão.

Mas eu precisava continuar. Então a gente prosseguiu por uns vinte minutos. Chegamos numa cerca de arrame bambo, fios enferrujados e estendidos num tocos de morões podres e frouxos. Logo adiante havia um pomar, todo tomado por capim gordura, pés-de-vassoura, ervas daninhas de todo tipo.

Não tem ninguém, disse meu pai.

A gente foi avançando. E só parei ao ver a casa. Era dessas construções antigas, tijolos de adobe. Telhado colonial com telhas portuguesas, dessas grandes e largas, já escuras de lodo.

Não tem ninguém, disse meu pai.

Bati na porta e comecei a chamar.

Ouvi um barulho de ferrolho e a porta se abriu. Um homem velho, de chapéu enfiado na cabeça. A barba bem feita e bem arrumado. A mãos, bem frias, tremeram ao me cumprimentar. E ele mal me escutava. Demorou um pouco pra entender que eu era do Censo e tal.

Lá dentro, ele nos serviu um café, que tava meio frio. Porque fazia tempo, ele disse, fazia bem tempo que tinha coado. Eu já queria ir embora. Então comecei a aplicar o questionário meio com pressa.

E não me lembro dos detalhes e me arrependo de não ter feito uma cópia daquele questionário e guardado comigo. O pouco que lembro, a impressão geral da conversa <<pra cada pergunta que fazia, o homem me contava uma longa história>>, é que ele tinha três filhos que há seis anos não o visitavam. Não tinha energia elétrica, e não sabia ler. A mulher tinha morrido há uns vinte anos, e ele gostava de morar ali mesmo, sozinho. Só um rádio a pilha.

Meu pai não aguentou e perguntou pro velho o que velho ficava arrumado ali sozinho, sem luz, sem ninguém. O homem disse que cuidava de uma horta nos fundos da casa. E gostava muito do rádio. Gostava de sentar ali no fim da tarde, gostava de ficar ouvindo o rádio falar.

Não lembro de muita coisa.

No caminho de volta, meu pai, que é muito quieto, começou a falar sem parar. Falar que aquele homem tava maluco da cabeça pra ficar ali. Que tava doido de ficar ali enfurnado naquele lugar. Sem luz, sem nada. Sem ninguém. Eu ouvia meu pai falar e só pensava e ir embora. Chegar em casa, colocar uma música e ficar sozinho.

Não lembro de muita coisa. Só sei que volta e meia me pego pensado naquele velho. Sei lá. Nessa coisa de ficar sentado, sozinho, ouvindo o rádio falar.

É mais ou menos isso.

05/10/2011

O Sol, Abraão e "A Cicatriz de Ulisses"

"5. E o sol desponta e o sol se põe
E ao mesmo ponto
Aspira de onde ele reponta


6. Vai rumo ao sul
e volve rumo ao norte
Volve revolve e o vento vai
e às voltas revolto o vento volta

7. Todos os rios correm para o mar
e o mar não replena
Ao lugar onde os rios acorrem
para lá de novo correm




8. Tudo tédio palavras
como dizê-lo em palavras
O olho não se sacia de ver
e o ouvido não se satura de ouvir


9. Aquilo que já foi é aquilo que será
e aquilo que foi feito é aquilo que será
e aquilo que foi feito aquilo se fará
E não há nada de novo sob o sol".


Qohelet/ O-que-sabe, Haroldo de Campos. Cap. 1: 5-9.

Eclesiastes, 1: 5-9.


***

Abraham and Isaac (1783), William Blake


"A singularidade do estilo homérico fica ainda mais nítida quando se lhe contrapõe um outro texto, igualmente antigo, igualmente épico surgido de um outro mundo de formas.Tentarei a comparação com o relato do sacrifício de Isaac, narração inteiramente redigida pelo assim chamado Eloísta. Na versão King James, a introdução vem assim traduzida: 'Depois disto, Deus provou Abraão. E disse-lhe: Abraão! - Eis-me aqui, respondeu ele.' Já este princípio nos deixa perplexos, quando viemos de Homero. Onde estão os dois interlocutores? Isto não é dito. Mas o leitor sabe muito bem que normalmente não se acham no mesmo lugar terreno, que um deles, Deus, deve vir de algum lugar, deve irromper de alguma altura ou profundeza no terreno, para falar com Abraão. De onde vem ele, de onde se dirige a Abraão? Nada disto é dito. Ele não vem, como Zeus ou Posseidon, das Etiópias, onde se regozijara com um holocausto. Nada se diz, também, da causa que o movera a tentar Abraão tão terrivelmente. Ele não a discutira, como Zeus, com outros deuses, numa assembléia, em ordenado discurso; também não nos é comunicado o que ponderara no seu próprio coração; inesperada e enigmaticamente penetra na cena, chegado de altura ou profundeza desconhecidas e chama: 'Abraão!' A noção judaica de Deus não é somente causa, mas antes, sintoma do seu particular modo de ver e de representar. Isto fica ainda mais claro, quando nos voltamos para o outro interlocutor, Abraão. Onde está ele? Não o sabemos. Ele diz, contudo: 'Eis-me aqui'."

A Cicatriz de Ulisses, Mímeses, Erich Auerbach, São Paulo: Perspectiva, 4ª. ed. 1998.

29/09/2011

Cabelo



Porque era muito cabelo, nunca tinha reparado nisso. Tinha reparado outras vezes, mas não como reparava agora. Era cabelo demais. Caía. E talvez porque fossem esses cabelinhos das pernas e dos braços misturados aos pelos pubianos, todos miudinhos, ali jogados, curtinhos e pretinhos estirados e amontoados no chão branco anemia daquele quarto de paredes rosas esmaecidas. 

Havia, claro, uns fios mais longos que ele logo identificava, era cabelo dela. E esses fios mais miúdos e mais raquíticos e desbotados, eram cabelos dele. De resto, os cabelinhos dele, e os cabelinhos dela, caíam misturados sem oferecer condição de saber qual fio era [ou tinha sido], dele ou dela [mas isso pouco importava, no fim das contas]. Ali sentado [enquanto ela passava creme no rosto, lá na outra ponta, de frente ao espelho do banheiro, a torneira jorrando e empurrado o silêncio do apartamento pra fora], ele deixava o queixo cair no rumo do chão branco anemia. Pensou em dizer a ela, já reparou na quantidade de cabelo que a gente perde?, mas não disse. Nem levantou a cabeça. Ficou ali parado olhando aqueles cabelinhos espalhados no chão e de repente imaginou que, se não houvesse vassouras, ou coragem de usá-las, logo os cabelos tomariam conta de tudo. Entupiriam o chão, os lençóis e o cobertor marrom. Emperrariam as dobradiças das portas, sufocariam as fechaduras, embuchariam as maçanetas. Feito o chão do barbeiro que ele gostava de frequentar, só que pior, bem pior que o chão do barbeiro que ele gostava de frequentar. Precisava fazer a barba, ele se lembrou. E levou a mão no queixo e pensou em perguntar pra ela se a barba estava grande demais ou se podia deixar crescer mais um pouco. Talvez apenas aparar as arestas, aqueles fios soltos e emborolados debaixo do queixo. 

Mas não, não disse nada.

Era muito cabelo ali no chão. E mesmo depois que varresse, ele começou a questionar onde ia parar tanto cabelo. Quase todo mundo tinha cabelo, e perdia cabelinhos das pernas e dos braços e os pelos pubianos pelo chão dos apartamentos de piso branco anemia. Onde ia parar tanto cabelo? Quanto tempo levava até que aquele cabelo todo se dissolvesse? O cabelo sumia, assim como se derrete gelo? Apodrecia e virava outra coisa? O que seria o cabelo depois que deixava ser cabelo?

Não sabia. Nunca tinha pensando nisso. Nunca tinha pensado direito. Talvez nunca pensasse direito em porcaria nenhuma, ainda mais em cabelo. O máximo que tinha feito era varrer aqueles cabelinhos, enfiar numa sacola e enfiar no lixo.

Não perguntou nada pra ela.

Ela massageava o rosto, ainda nua de frente ao espelho, e ele se lembrou de como haviam esfregado as coxas, sôfregos, esfregado todo o resto. Ele apertava o corpo dela contra a parede como se empurrasse uma rocha ladeira acima. Os calcanhares às vezes vinham de encontro ao chão num golpe seco, embora o suor escorresse das pernas. As mãos meladas atarracadas nas costas tencionadas.

Olhando aqueles cabelinhos todos, ele pensou que aqueles cabelinhos todos eram os restos da urgência toda que eles tinham de se tocar e se esfregar e sentir o outro como se precisassem assimilar e desaparecer no corpo do outro, naquela urgência toda e pouco se falava e só havia o chiado da fricção da pele contra a pele e esse cheiro empapado nas mãos úmidas e essa urgência atravessada na respiração disparando como se eles estivessem apostando uma corrida.

Agora, só restava aqueles montinhos de cabelo estirados no chão branco anemia. Aqueles cabelinhos eram tudo que restava.

O barulho da torneira sumiu. Quando ele deu por si, ela entrava no quarto, já de frente pra ele. Ela esticou a mão e tocou a cabeça dele. Deu um daqueles beijos que ela sempre dava, assim meio na orelha e no pescoço, escorrendo os lábios na nuca. Passou a mão no rosto dele, como se descansasse os dedos. Depois ergueu-se, indo no rumo do guarda-roupas.

“Tá na hora de aparar essa barba”, ela disse.

“É, você tem razão”.

Ele era capaz de sentir fios de cabelo crescendo. Enraizado nas axilas. Crescendo como uma planta parasita, agarrada a virilha, chupando toda a água do rosto.



27/09/2011

cometi um poema


São João Cabral de Melo Neto que me perdoe, mas cometi esse poema. 
____

O paraíso [depois] da esquina.

Os caras de Luminárias me disseram que as coisas mais legais estão em Lavras,
Varginha, Ouro Preto.
Mas os caras lá de Lavras, 
Varginha, Ouro Preto,
Contaram que o legal mesmo é BH.

Em BH, três caras me contaram que queriam ir pra São Paulo.
Em São Paulo, por sua vez, os caras me falaram que o legal mesmo é Porto Alegre.

Talvez seja.

Em Porto Alegre, no entanto, outros caras disseram: bom mesmo é Bueno Aires.
Em Bueno Aires, porém, na fila do cinema, no silêncio dos cafés, o assunto [mesmo quando não se falava], era mudar pra Paris.

Em Paris, alguém disse que cool é Barcelona.
Mas, em Barcelona, os caras disseram que cool mesmo é NY.

Em NY, três caras de terno planejavam fugir ao amanhecer pra Paris.
Em Paris, sete mocinhas entendiadas olhar blasé queriam viver em NY.

Os caras de Luminárias continuavam bebendo cachaça
e dizendo que as coisas mais legais estão em Lavras,
Varginha, Ouro Preto,

alguma coisa,
nalgum lugar,
depois da serra.

***

querendo ser outro,
igual o cara sozinho que encontrei na rodoviária
sapatos marrons de solado lascado,
esperando uma passagem,
como se outro 
só por ser outro 
fosse melhor que outro.


Trocar os sapatos e correr,
o paraíso [depois] da esquina.

***

Alguns caras de olhos cansados
sempre me disseram que o melhor de tudo é antigamente.


***

Uma velha cascavel,
em Luminárias, 
pela sétima vez,
abandona lascas de pele,
debaixo do sol.

Três caras,
em NY,
compram passagens só de ida pro Oriente.

E lá, 
à beira de um ovalado lago oriental,
embicado numa rocha escura,
donde a neve escorre e desaparece líquida
na liquidez da água,
um chinês toca flauta sozinho,
bebe um gole de chá enfumaçado,
e escreve versos
que só ele entende:

sonhava morar na Lua,
afogou-se.


21/09/2011

Oswaldo França Júnior, narrar para narrar.


Oswaldo França Júnior, 1948, com 12 anos de idade.


"O velho falava de um conhecido dele e da Maria que se chamava Inácio e que soube que sua mulher gostava de um cabo da polícia depois do cabo ter morrido. E ele havia perguntado à mulher se ela e o cabo tinham tido mesmo um amor. Ela respondeu que haviam se gostado, sim. E o Inácio durante toda uma noite ficou pensando naquilo e no dia seguinte, pela manhã, foi ao cemitério e começou a dar tiros na sepultura do cabo."

Oswaldo França Júnior, Os dois irmãos. p. 105.


Impressionante a quantidade de micronarrativas dentro desse livro. A quantidade de episódios dentro de episódios, e muitas vezes desligados da trama principal. E mesmo assim, o livro avança no ritmo correto. A estrutura do livro está enraizada na mais pura narrativa [se parece com Saer, em As Nuvens, embora as descrições abundem no texto de Saer]. O narrador, em terceira pessoa, narra apenas para abrir espaço paras as personagens narrarem. Histórias dentro de histórias, sem um sentido maior. Sem uma preocupação afetada demais com subtexto. A mão corre leve. Sem tiques, truques ou joguinhos. E não é fácil dar a impressão de apenas narrar e ainda sim provocar estranhamento.

***

De toda forma, há esse fruir da história, e nem por isso é um livro óbvio. Pelo contrário. É um livro estranho. Intrincado. Personagens perseguindo ou atormentados por metas inexistentes, absurdas, inatingíveis; enquanto "o homem" fica sempre questionando por que diabos fazem isso, em especial, o irmão:

"— Para que todo este esforço? Outros já procuraram por aqui e desistiram.

Mas o irmão não havia dado resposta. Havia continuado seu trabalho, raspando o fundo de manhã à noite. Lutando um dia inteiro contra a correnteza para amarrar em cima da água duas tábuas e um feixe de paus.

— Isto não vai levá-lo a nada — dizia o homem.

Mas ele não respondia. Continuava de cima da sua espécie de plataforma puxando a enxada que vinha do fundo cheia de lama e de pedras."

***

Há esse clima parecido com o Antigo Testamento, ou com O Castelo, de Kafka. Às vezes, é engraçado [mas, mesmo o riso é um riso esquisito], e mesmo quando é alegre é uma alegria estranha. Quando é triste é uma tristeza bonita, que acalma.

A mim, pelo menos, é isso que parece.

***

“E ele cansou de esperar que os peixes aparecessem e que os figos ficassem do tamanho de uma abóbora. Cansou também de ouvir as pessoas perguntando sobre o recado de Deus. E um dia pegou uma espingarda e foi para a serra. E lá do alto começou a atirar para cima. Os que escutavam os tiros perguntavam o que estava acontecendo com ele.

— O que está acontecendo com o Claudiano?

E tinham medo de ir até a serra. Até os soldados ficaram embaixo, esperando que ele parasse com os tiros para então subirem.

— O único que foi e conversou com ele foi meu irmão — disse o homem.

E contou que o irmão tinha dito aos soldados quando voltou:

— Claudiano não quer parar com os tiros. Mas eles estão terminando.

E os soldados lhe perguntaram:

— O que ele está fazendo?

— Está dando tiros para o alto.

— Mas por que está fazendo isto?

— Está atirando em Deus.

— Em Deus? — estranharam os soldados.

— Ele disse que Deus mentiu para ele. E por isto está lá em cima tentando acertá-lo.”

Oswaldo França Júnior, Os dois irmãos. p. 79-80.

20/09/2011

O silêncio em "There Will Be Blood"



São treze minutos sem diálogos na abertura do filme. Um homem sozinho cavando um poço. Pancadas de picareta, metal contra pedra, balde, carretilha. Uma explosão de dinamite, às vezes o vento que sopra. Os murmúrios, a respiração bestializada de um homem no fundo do poço. Um homem sozinho, cavando. Está tudo aí. Por vezes, a trilha estupenda de Jonny Greenwood sussurra, ganha vigor, estoura, desaparece, chia, conduz. O homem se arrasta. Outros homens. Agora, dois homens no fundo do poço. Falta ar no fundo do poço. Mas não, não se falam. A criança chora. Mais e mais homens. Mas não, ninguém se fala. O trabalho continua. O silêncio que sufoca. Um homem morre e mesmo assim ninguém se fala. O bebê chora. O pai tenta calá-lo. Silêncio.

***

O filho fica surdo depois de um acidente. E é a surdez do filho que, ao mesmo tempo em que o afasta, o protege das palavras do pai. O distingue do pai. O silêncio é o escudo protetor.

***

"Você nunca foi nada além de um bastardo abandonado numa cesta no meio do deserto”, diz o pai, Daniel Plainview, ao filho surdo. A cena vem ao final do filme, depois de uma lacuna de pelo menos uma década [aberta depois da cena do restaurante/bar, onde o Sr. Plainview havia se reconciliado com o filho, depois de tê-lo abandonado]. A fala do Sr. Plainview é de um rancor terrível. Quer arrancar palavras do filho, apenas para rejeitá-las. Mas, a essa altura, o filho está longe o suficiente para não ouvir o pai. O silêncio o fortaleceu. O silêncio o libertou.

"Ontem construí um barco de pedra"

By Troche


"40.

Ontem construí um barco de pedra.
Não funcionou. 

Dói meu ponto de vista, o oceano ainda não se encontra preparado para as grandes invenções.
Um barco de pedra é uma grande invenção.
A água não percebeu assim, paciência.

Gosto de inventar coisas.
Principalmente coisas inúteis.
Por isso mesmo umas pessoas chamam-me poeta, outras vagabundo.
Infelizmente são mais as pessoas que me chamam vagabundo.
Mas tudo bem.
O mundo sempre foi assim.
Sempre houve maior número de idiotas do que de outras pessoas.
A isso chama-se multidão.

Se um tipo fica sem voz vem logo uma pá de gente
oferecer remédios para a garganta, 
mas depois, quando começamos a falar, ninguém nos ouve.
Dão-nos remédios para a garganta e depois
pedem-nos silêncio.
Não me parece bem.
Ou não nos davam os remédios,
ou deixavam-nos falar.

Enfim.

O mundo é isto.

***

50.

Gostava de vos dizer uma coisa para terminar.
Às vezes tenho medo. Muito medo.
Às vezes, sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na possibilidade
de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou um familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.


Todas as doenças pertencem a toda gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo,
brincar com a poesia,
com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Quando sofro ou sinto o que alguém sofre, deixo mesmo
de querer ser inteligente.
Deixo de querer parecer inteligente.
Se estivermos cheios a sentir, não temos espaço para pensar.
Não fazem sentido as lógicas,
as filosofias,
as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada.
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e que está a envelhecer. Só aquela mãe
que amo e que está a envelhecer.
Só aquele amigo que se tornou amargo
porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas,
as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de o ser,
Alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às
mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo,
mas que adianta?
Estamos sozinhos.
Se não estamos, vamos estar.
Os amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou vão deixar de nos telefonar, ou então deixamos de lhes
querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes
descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não
adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar,
tentamos ter idéias, tentamos distrair as pessoas, tentamos
fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e
isso é bom, e pode até ser bonito, mas não adianta nada,
não resolve nada,
não adianta nada."


***

Gonçalo M. Tavares, O Homem ou é Tonto ou é MulherCasa Da Palavra.

Ilustração, Troche: http://portroche.blogspot.com/


19/09/2011

"Persistes ainda em tua integridade?"

Satan Smiting Job with Boils, William Blake.


"Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor, e feriu Jó de úlceras malignas, desde a planta do pé até o alto da cabeça". Jó 2:7


Curioso, Blake colocar a mulher [aquela que diz a Jó: 'Persistes ainda em tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre duma vez!" 2:9 ], junto aos pés de Jó, apoiada à planta do pé. Na visão de Blake, ao que parece, a mulher de Jó era também uma úlcera, fervendo a planta dos pés.

Mas não se trata de pura misoginia da época, creio. Pelo contrário. Já que, na sabedoria cristaliza, a mulher (mãe que carrega o filho, a esposa que dá suporte, "a moça que me ajuda lá em casa"), é vista exatamente como apoio. Aquela que suporta todas as dores

E a fala da mulher, está longe de oferecer suporte; é um buraco que se abre sob os pés de Jó. Pronto a devorá-lo. É a consciência lúcida da vacuidade daquilo tudo:

"Se o homem não tinha uma consciência eterna, se no fundo de todas as coisas ele só tinha um poder selvagem e borbulhante produzindo todas as coisas, o grande e o fútil, no turbiIhão de obscuras paixões, se o vazio sem fundo que nada pode preencher se escondia sob todas as coisas, que seria pois a vida senão o desespero?", Kierkegaard, citado por Camus, no Mito de Sísifo.

***

A fala da mulher está ali, não apenas pra ser refutada, feito um argumento de lógica. Tampouco está ali  como uma tentação. É necessária porque incorpora o irracional, um desacordo. De um lado, a fé de Jó num Deus mudo; de outro, o vazio sob os pés de Jó, a desrazão em continuar.

[Persistes ainda em tua integridade?]
E essas palavras ecoam junto às fissuras roendo o corpo, feito um riso.

[Persistes ainda em tua integridade?]
Basta lembrar da serenidade que toma conta de Justine (Melancholia, 2011), à medida que o desaparecimento completo se torna, não apenas uma possibilidade reconfortante, mas inevitável.

Não há sentido em sofrer sem um motivo, ainda mais, emparedado pelo silêncio de Deus.
[na ilustração de Blake, representado pelo sol, que espia, com um riso cínico de canto de boca]. 

"E eis tudo névoa-nada e fome-vento
e nenhum proveito sob o sol".
Eclesiastes 2:11, tradução de Haroldo de Campos.

Isso me leva a pensar em como a crença de Jó é absurda [em como a crença cotidiana nisso tudo é absurda e ridícula]. De toda forma, a resposta de Jó à sua mulher é estupenda: "Falas como uma idiota: se recebemos de Deus os bens, não deveríamos receber também os males?".

Eis o grande paradoxo.

Afinal, como resolver a questão: um Deus que oferta o mal?

Se a vida é um mal [mas quantos o sabem?], é melhor que desapareça. É mais ou menos isso que está em Melancholia.

[Persistes ainda em tua integridade?]

Mesmo depois da resposta de Jó, a frase da mulher continua ecoando entre as feridas, convivendo com a crença de Jó, amordaçado pelo silêncio de Deus. 

E diante de tamanho paradoxo, só resta a contemplação. Essa é a postura de Jó. 

***

Mesmo quando surge a voz de Deus, de um redemoinho ["o diabo na rua, no meio do redemoinho"], quebrando o silêncio, as palavras de Deus instauram o mistério, um abismo, um silêncio ainda mais vigoroso:

"Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderás.
Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?
Faze-mo saber, se tens entendimento."
Jó, 38:3,4.


"Então Jó respondeu ao Senhor, e disse:
Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mão sobre a boca."
Jó 40:3,4.

***

E mesmo que se restabeleça todas as coisas, o dobro das coisas que tinha antes: pra que diabos isso?

[Persistes ainda em tua integridade?]

Camus, disse que é preciso imaginar Sísifo feliz. Não sei se concordo.

Em todo caso, [sem cair na epidemia de manuais e receitas de felicidade ou no egoísmo], resta a contemplação. E pra mim, pelo menos, essa postura contemplativa, gratuita e desinteressada, parece a única resposta possível à questão do sofrimento [quiçá, da existência]. 





16/09/2011

"e o coração dele batia feito um louco".

Um livrinho de poemas do Paulo Mendes Campos, de capa branca. Não sei onde foi parar. Procurei por ele entre meus livros [não é a primeira vez que procuro por ele], mas não encontrei. Sinto uma saudade muito grande desse livrinho.

***

Eu estava começando o ensino médio. Gostava bastante daquela enciclopédia que vinha toda semana na revista ISTOÉ. Foi lá que li o nome Proust [ou melhor, vi aquela foto de olho caído, olhar blasé e fiquei impressionado: aquilo sim era um escritor de verdade], e ao ler que esse cara cheio de pose tinha passado grande parte da vida escrevendo sobre a mesma coisa, Em busca do tempo perdido, só aumentou minha admiração, me pareceu, à época [e talvez ainda persista esse ranço de inquietação] que aquele cara sabia de alguma coisa que ninguém mais sabia, ou que todo mundo sabia, mas que só ele sabia falar direito. Era realmente um escritor de verdade, eu sentia olhando aquela foto, às vezes uns vinte minutos, lendo e relendo o texto sobre o cara, e sempre com a certeza que era um cara bem diferente daqueles caras chatos que nos apresentavam na escola, no texto-fragmento com o vocabulário no rodapé, seguido de exercícios, ditado, no mesmo livro que se falava de um tal de Emplasto Sabiá [ref. Faraco & Moura, três volumes separados, capa listrada], que a gente comprava usado ou quando dava sorte, que foi o meu caso, pegava emprestado com um aluno do segundo ano. 

Foi também naquela enciclopédia da ISTOÉ que vi pela primeira vez uma "foto" de Rimbaud [e lia como se fosse Rim-baude, porque nunca tinha ouvido ninguém pronunciar], e fiquei abismado com o moleque, que tinha escrito tudo e largado tudo, assim do nada. Isso sim era um poeta de verdade, diferente daqueles poetas chatos que assinavam aqueles poemas quadrados chatos que a gente era obrigado a interpretar, dissecar, classificar as palavras, entender tudo, e do jeito certo, e ninguém queria saber se a gente tinha gostado ou não.

***

Não era nenhum poema do Paulo Mendes Campos, nenhuma crônica. Havia duas traduções ao fim do livro. Provérbios do inferno, do Blake, e uma tradução do Monólogo de Molly Bloom, do Joyce.


***

Um dos primeiros livros que peguei na biblioteca na UFSJ, foi o volume I de Em busca do tempo de perdido, No caminho de Swann, junto de Ulysses do Joyce. Era a primeira vez que tinha aqueles livros ali, tão perto. Porque da cidade que eu vinha [ref. caipira lifestyle], não havia livraria nenhuma [e ainda não há], tampouco uma biblioteca decente [hoje há]. E ninguém que eu convivia tinha esses livros. Lembro que voltei pra casa com a mochila pesada e ansioso. Meu colega de casa tinha ido a alguma dessas festas pra calouros de início de semestre. Eu disse que ia ficar em casa, disse que estava cansado. Menti em prol da literatura. Passei um café rápido e abri o livro do Proust com a sensação de finalmente ter encontrado aquele cara. De estar pronto a ouvir o que ele tinha a me dizer, pronto a receber alguma coisa grandiosa.

Mas não. Eu não estava pronto.

Apesar dos meus esforços, avancei algumas poucas páginas, e abandonei o livro. A mesma coisa com Joyce. Me senti profundamente culpado e burro.

Mas naquela mesma biblioteca, e por influência de amigos que gostavam também de literatura, descobri Kafka, Camus, Dostoievski, Henry Miller, Nabokov, Chuck Palahniuk, Graciliano, e aos poucos me esqueci dessa grande frustração.

Afinal, como diria Nietzsche:

"No fim das contas ninguém pode captar coisas, incluídos os livros, mais do que ele mesmo já sabe. Para aquilo que a gente não alcança através da vivência, a gente também não tem ouvidos." Ecce Homo.


Talvez seja hora de tentar outra vez.

***
Mas, hoje, sinto uma saudade terrível daquele livrinho do Paulo Mendes Campos de capa branca. Aquele exemplar em especial. Tinha rabiscado algumas coisas nas costas da última página do livro. Já não sei que coisas são. Só gostaria de pegá-lo agora, abrir, e ler.

"e puxei ele para mim para que sentisse meus seios perfumadíssimos sim
e o coração dele batia feito um louco
e sim
eu disse sim
eu quero muito
Sim".