18/08/2010

Mamãe, eu quero ir pro céu.

Dia desses, um jornal daqui do nosso sertão, publicou dados de uma pesquisa do Ibope referente ao gasto anual do caboclo mineiro com livros. Segundo a pesquisa, o cidadão mineiro gasta por ano míseros R$ 14,40 nos balcões de livrarias. Diante desses números, alguns sujeitos arrepiaram os cabelos, outros proferiram palavrões diante do jornal e do instituto, ofendidos, retrucando o discurso típico dos envergonhados. Afinal somos um grande estado, com dimensões de nação, berço de nomes literários como Guimarães Rosa, Drummond, Adélia Prado, Sabino, Luiz Vilela, só pra citar alguns, e não pega bem ficar com fama de mão de vaca no mercado literário.

Até onde vai meu entendimento, não é caso de susto.

Mas a minha opinião parece ser uma exceção. Outro dia, navegando por um blog literário deparei-me com um texto inflamado de um sujeito, um bem intencionando aspirante a escritor que, com convicção inviolável, levantava argumentos escandalosos, ofensivos e mostrava por A + B como as pessoas deveriam gastar o ordenado. Segundo o Sr. aspirante, as pessoas deveriam deixar de fazer prestações nas Casas Bahia, ir em shows de bandas da modas, de comprar celulares modernosos, pra comprar livros. Uma espécie de cartilha do consumidor cultural sadio. E esse não é único texto que existe por aí, onde letrados e aspirantes, choramingam a crueldade dos leitores, a pouca venda de seus produtos, a ignorância das pessoas de bem, qualificadas como alienadas, desinformadas, fúteis e um sem número de adjetivos de baixo calão. As pessoas são horríveis; os letrados, uns injustiçados.

Ainda existem aqueles que evocam o chavão do capitalismo, da pobreza, da propaganda nos impingindo necessidades das quais não precisamos, do colonialismo cultural do qual somos vítimas passivas, do problema das escolas públicas e das universidades privadas, e mais uma dezena de artefatos socio-culturais atarracados nos nossos calcanhares coloniais e que, por força sobrehumana, nos impedem de evoluir como um povo branco, cosmopolita, consumidor de cultura de luxo. A culpa é do sistema; os letrados, uns injustiçados.

Acredita-se no céu, e isso é uma lástima.

Em pleno século 21, ainda acredita-se no céu. Não naquele céu onde São Pedro nos espera com uma chave ou naquele céu comunista ao fim da aposta, alguns até acreditam; mas acredita-se no céu enquanto mundo ideal, justo, realidade perfeita. Crêem que este mundo é errado, logo, deve existir, sabe-se lá onde, um mundo certo e precisamos importá-lo pra cá com silogismos e adjetivos. Acredita-se que este mundo, com tudo que existe nele, não basta. E se este não basta, é preciso inventar outro: um céu habitado por seres de bolsos cheios, asas nas costas e livros nas mãos.



15/08/2010

Alzheimer

Tudo bem que a vida é dura, corrida, que a gente passa a maior parte do tempo de cabeça quente, queimando pestana em livro "e" etecétera; mas isso não é desculpa. Esqueci de colocar uns links aqui, (um eu tenho certeza de ter twittado; os outros, não) de uns contos que foram publicados há algum tempo e eu só descobri (ou me lembrei) hoje. (dois republicados e um inédito, na verdade)
Vamos lá:

Catavento
no Portal Cronópios. (em junho)

Sujeito de sorte, republicado na edição número 5 da revista Desenredos. (em junho)

E Pinóquio e a Menina de Lata  republicado no Jornal Opção de Goiânia, (em maio) debaixo da crônica do Menalton Braff: aqui

Agora fiquei na dúvida se já postei esses links, mas acho que não. Pelo menos não aqui no blog; senão vou ter que trocar o título do post de Alzheimer pra Déjà vu.

Adeus.

10/08/2010

Memória empírica de um cárcere de infância.

Você pode ouvir o zumbido e está perto o bastante pra ver as minúsculas fissuras nos olhos, duas pequenas esferas oleosas prensadas contra o triângulo invertido mal planejado, a cabeça (mas que de perto, como você está agora, transfigura-se numa grande caixa, talvez de madeira, construída as pressas por um marceneiro preguiçoso, marteladas lentas e desencontradas, portador de um esquadro empenado). As antenas, de perto, onde você está, não são propriamente antenas, filetes miúdos e frágeis prestes a quebrar em razão de um sopro mais forte ou acasalamento; todavia, como dois vergalhões 10,0 mm eretos e bambos e que, por estarem fixos, eretos, bambos e soltos, são indestrutíveis (ou assim se apresentam e você acata a sugestão). Com as asas recolhidas, junto ao tronco, de perto, onde você está agora, é inevitável não se admirar diante do relevo que acompanha os traços na superfície semitransparente ou azul, vermelha, verde; feito papel celofane camaleão cambiando cores conforme ângulo, distância, altura do observador, escambo sem fim. Cada olhar tem um tom a oferecer aos objetos. Um pouco daquilo que são ruas, avenidas, fábricas e prédios da grande cidade vista do céu ou a extensa plantação de milho vista da janela de um avião em vôo doméstico. Da janela do avião, inversamente proporcional, a extensa plantação de milho lembra as asas daquele gafanhoto que você aprisionou num vidro de maionese, sem julgamento ou direito de apelação, por necessidade empírica e autoridade científica, que só as crianças têm. E vez ou outra, ao sacar a tampa laranja do vidro, o cheiro era forte; cheiro alguma coisa não está certa, ausência de ar e de espaço, cheiro das coisas quando mortas. 

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03/08/2010

Descrição inautêntica da estranha planta do caule oco



Cresceu mais rápido do que qualquer outra planta do terreno sem dono, cresceu no espaço como se sobe uma escada; cresceu pra deixar o vento empurrar as folhas largas de um lado ao outro numa dança lenta e sem música. Cresceu contra às formigas e contra o meu pai resmungar quando foi no terreno nosso, rente do pé de couve e dos tomates miúdos. Cresceu pra ter as raízes extirpadas com brutalidade pelas duras mãos do meu pai, polidas na pedra e na areia. Cresceu pra cair precoce no fogo e gerar a triste fumaça das coisas verdes, junto de lixo, capim seco, galhos obsoletos do pé de mexerica, ou da goiabeira e as folhas cinzas desfibriladas da bananeira granada perto da cerca. Cresceu pra cair num copo de plástico vermelho cheio de detergente barato que minha mãe tinha comprado na promoção. Cresceu pra que eu soprasse.

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