03/12/2012

Turismo



Primeiro: placa marrom com desenho preto de traços rupestres aponta pra uma entrada à esquerda: Gruta do Anjo. 

Segundo: imagem mental de algum anjo de nome Gabriel – ou Rafael – que revelasse intricadas mensagens apocalípticas a três nobres crianças interioranas, nalguma tarde obscura de um passado não menos obscuro. 

Mas os devaneios logo se dissiparam. 

A pousada – também do tal anjo – recepção infestada de banners, loja de souvenires, causaram-me uma ponta de angústia. 

Logo identifiquei: berrante inépcia em praticar o vulgo turismo. Consumir a paisagem, o hábito, “a cor local”. 

Assim como um shopping, uma cidade turística é também organizada com um único propósito: consumo. E não me agrada essa sensação de ratinho percorrendo a esteira do consumismo natureba. 

Mas tudo bem. 

Terceiro: pra visitar a gruta, com direito à passeio – nesse aparato tão Caxambu – o pedalinho, era coisa de cinco contos por cabeça. 

Barato, até. 

“Mas o sinal do cartão não pega aqui”, disse o funcionário de topete e camiseta branca. 

Boa desculpa pra abortar a empreitada, eu pensei. 

E também pensei que seria necessário voltar 3 km na estrada, ir até o centro da cidade, caçar um caixa eletrônico, digitar senha, sacar dez contos. Trabalho moroso demais pra um final de semana concebido como um intervalo sabático em meio ao ruído dos dias, fuga de atribulações e contratempos, escapar da esteira do cotidiano, o mundo é moinho, etc. 

O melhor era desistir. E foi isso que a gente fez. 

Mas a Quel e eu tínhamos visto uma dessas fotos bem esculpidas no Photoshop: a gruta exalava aquele ar esnobe de paraíso pseudo-desconhecido, águas verde-esmeralda cintilando sob o sol, que pauta o Globo Repórter dezessete vezes ao ano. 

Revirei os bolsos. 

E por sorte – ou azar – achei vinte contos. 

Reserva estratégica dos cigarros, por conta do hábito larápio de alguns mascates contemporâneos, de cobrar a famigerada taxinha quando se paga os cigarros com cartão. Entreguei o dinheiro amaçado ao sujeito e ele me passou duas fitinhas amarelas com um adesivo na ponta. 

“É pra se diferenciar dos hóspedes”, disse. “O monitor está lá em cima”. 

Operando na dimensão dos estereótipos – como já ficou óbvio até aqui, sou um péssimo turista e um viajante medíocre – imaginei o monitor como um desses jovens garotos cuja áurea emula personagens de filme de acampamento pós-adolescente americano. Camisa cáqui, corte militar, bermudas cheias de bolsos, um cantil na cintura. Esse tipo de coisa. 

Ao pé do morro, avistei um senhor de jeans desbotado, camiseta acochada por dentro da calça – boné preto – e óculos fundo de garrafa, que cobriam metade da cara, faiscando debaixo do sol. 

Parecia mais um funcionário de almoxarifado aposentado.

Espécie de Ademir da Guia e sua ilusória câmera lenta, o monitor se moveu até nós em oito passadas que tinham o efeito de dezesseis. 

Ele estendeu o braço e disse seu nome, algo que não pude compreender. Pedi desculpas. E que repetisse, por favor. Ele apontou pra algo escrito no boné. “Eu trabalhava na recepção de um hotel, mas ninguém entendia o meu nome”, explicou. “Então achei esse boné e apaguei o ‘H’”. 

Passou o dedo de fora a fora nas letras. E disse, mais uma vez: “Urley”.



*** 

Há esse hábito famigerado de cidades do interior em erguer réplicas miúdas do Cristo Redentor, geralmente no mirante mais alto da cidade. Na minha cidade, em Minas, tem um. E também em muitas outras cidades da região. Não sei bem a origem ou a intenção da coisa. Talvez as cidades do interior da França tenham réplicas da Torre Eiffel, e as americanas cópias reduzidas da Estátua da Liberdade. Não sou especialista no assunto. O fato é que em Socorro há um mirante e nesse mirante há um Cristo: com banheiros, parquinho e uma capela cheia de oferendas. Velas acesas à São Cristóvão, Bento XVI, Padre Marcelo Rossi. 

Isso tudo é muito comum. 

Agora, no mínimo interessante, é um sujeito de trajes crocodilo Dândi, com direito a canivete na cintura, parado dentro de um fusca verde, às 14hs de sábado, observando a cidade lá em baixo. 

Com binóculos – e sem constrangimento. 






13/10/2012

Moonrise Kingdom




Moonrise Kingdom, novo filme de Wes Anderson (O Fantástico Sr. RaposoOs excêntricos Tenenbauns) é uma comédia da melhor qualidade. Num conjunto de pequenas ilhas da Nova Inglaterra, nos anos 60, dois pré-adolescentes de 12 anos decidem fugir juntos. O casal é formado por Sam, um escoteiro órfão, e Suzy, uma quixotesca leitora compulsiva de histórias de aventura. Os pequenos anti-heróis são perseguidos pela política, pela estérica família da menina, por um bando de escoteiros armados com paus cheios de pregos nas pontas. 

É bem divertido.

Além da trilha e fotografia retrô - e sem recorrer ao truque das "piadinhas" - Moonrise Kingdom traz no elenco alguns dinossauros: um magrelo Edward Norton (Clube da Luta), o ancião Bruce Willis (Duro de Matar) e o jurássico Bill Murray (Caça Fantasmas) . 

Foi a melhor comédia que eu vi esse ano. Uma fábula sobre o primeiro amor. Família. Inadequação.

E todo o resto.








20/08/2012

A arte de encontrar uma vaga para estacionar



"Só tinha se dado conta naquele momento de que encontrar uma vaga para estacionar o carro seria um problema. Durante os vinte e cinco minutos seguintes, Louis e Renée passaram pelo prédio de Peter Stoorhuys oito vezes. O trânsito estava intenso e anormal, os carros se arrastando pelos quarteirões aburguesados num cakewall invertido, todos esperando que um espaço vagasse. Louis dava voltas e mais voltas, a cada uma delas se afastando cada vez mais do prédio de Peter. Ignorava vagas que lhe pareciam distantes demais e depois, quando voltava a elas com uma ideia mais bem informada de seu valor, elas já tinham sido ocupadas. (Era como aprender da forma mais difícil em que momentos comprar ações da Bolsa.) Tentava fazer o carro entrar em vagas que ele já sabia que eram pequenas demais. Metia o pé no freio quando passava em frente a hidrantes e em seguida metia o pé no acelerador. Furou sinais vermelhos. E quando, mais perto das dez horas do que das nove, encontrou uma vaga livre a um quarteirão do prédio de Peter, quase ficou desconfiado demais para pegá-la. Três carros na frente dele haviam passado por ela com o júbilo dos insiders. Não parecia haver nenhum hidrante, nem entrada de garagem, nem placa informando ser a vaga exclusiva do morador, e, embora devesse ter acabado de aparecer, o espaço de alguma forma não parecia fresco. Louis entrou de ré na vaga, franzindo o cenho ressabiado, como um tigre na floresta faria se encontrasse uma picanha crua embrulhada em papel encerrado. Seu quadril estava molhado do suor que tinha escorrido de suas axilas.


'Parecia boa a festa lá' ".


Jonathan Franzen, Tremor. Tradução: Sonia Morreira. Companhia das Letras, 2012. p. 136-137

18/08/2012

"pó de ferrugem"


Ashes, 1894. Edvard Munch


"Um ano depois, mudam-se para um sobradinho na periferia da cidade. Com 54 metros quadrados, é a miniatura de uma casa, o que de certa forma misteriosa lhe agrada. Num dos quartos minúsculos do segundo andar, faz uma estante primitiva que cobre a parede inteira e cujas tábuas de araucária, lixadas, pintadas e repintadas, montadas, desmontadas e refeitas, seguirão por toda a sua vida, numa transformação perpétua. Ele gosta de mexer com madeira. (Sonha às vezes com um espaço de garagem, uma bancada, um torno, uma minimarcenaria que jamais terá na vida.) E a altura e largura da estante serão o termômetro da melhora de seu padrão de vida, nas mudanças seguintes, pela parede a mais que sobrar, para os lados e para cima, O preço do sobrado era convidativo; a prestação, menos que um aluguel; a entrada, o cheque que recebeu por um trabalho avulso na área das letras. Tudo parece fácil. Deram o sinal num sábado à tarde; na terça seguinte, ao revisitar o sobradinho, descobre que há uma serra­ria próxima e que o ruído das máquinas, um zumbido inextinguível, acompanhará cada linha que escrever. À noite, uma mulher nua e louca, loira como o pecado, impressionante sob o luar, às vezes sai à rua — de chão batido, cortando terrenos baldios, estão no limite do mundo — gritando as mesmas fra­ses ininteligíveis, até que alguém venha buscá-la com um roupão para protegê-la, e ela volte em transe, na sua loucura cir­cular. Ele vê aquilo das sombras e nas sombras, e transforma mentalmente a imagem num quadro de Münch, para se defender — mas o metal histérico da voz de araponga permanece horas no ar, ressoando. Uma manhã descobre que lhe roubaram o botijão de gás, que ficava no pequeno pátio dos fundos, cortando a mangueirinha que atravessava a parede. Começa a comprar cadeados, correntes, grades. Manda erguer um portão de ferro. No espaço da frente, um quadrado de dois por dois metros, que poderia ser um jardim, planta pepi­no, girassol, salsinha, rabanete. Uma tarde uma senhora para diante dele e diz que admira quem aproveita o menor terreno para produzir alguma coisa. Ele agradece — gostou de ouvir aquilo. Ele se sente — ou se faz de — um teimoso personagem de William Faulkner, obedecendo a algum chamado an­cestral que não compreende mas que precisa levar adiante por alguma força imemorial que está além da razão. É uma bela imagem literária, mas isso não é ele. Sente-se em falso; ainda lhe deforma o senso o velho cordão umbilical do seu imaginário da infância, o pai que ele não teve, com o sonho rousseauniano — afastar-se dessa merda de cidade, refugiar-se fora do sistema, viver no mundo da lua, estabelecer as próprias regras, dar as costas à História. É difícil — as coisas parece que vão perdendo o controle. Uma fase atormentada. A mulher tem de pegar dois ônibus para ir ao trabalho, que fica no outro lado da cidade. Por que não pensou nisso antes? Ela não queria comprar o sobrado; ele que insistiu, obtuso e sorridente. Ele cuida da casa, dá aulas particulares, faz revisão de textos e teses. Para dizer onde mora, tem de desenhar um mapa, assinalar placas indicativas, setas, nomes de ruas que ninguém conhece. A ruazinha do sobrado tem nome de um poeta medíocre: Luiz Delfino. Por um bom tempo não tem telefone. Autista, debruça-se sobre o novo romance que escreve já há alguns meses, Trapo, indiferente ao mundo, enquanto não consegue publicar o anterior. Vai pondo na ga­veta as cartas de recusa das editoras e engolindo em seco as derrotas dos concursos literários, mas nada disso o incomo­da de fato. É como se uma parte dele negasse o confronto desigual — melhor baixar a cabeça, discreto, e tentar uma outra esquina do labirinto. O mundo é muito mais forte, impressionante e poderoso do que ele. A medida da província entranha-se na sua alma. Talvez fosse o momento de reler Nietzsche, começar de novo, mas ele não tem mais tempo. Ouve pela primeira vez rodar a engrenagem poderosa do tem­po, e um discreto pó de ferrugem já transparece nos objetos que toca. Finalmente, o tempo começa a passar". 

Cristovão Tezza, O filho eterno. 13ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2012.

19/07/2012

Arraia PajéurBR/Cronópios na Casa das Rosas




Revista Arraia PajéurBR + Contologia & Poemantologia dos Novíssimos Autores do Portal Cronópios




Revista Arraia PajéurBR + Contologia & Poemantologia dos Novíssimos Autores do Portal Cronópios

- Entrevista com o escritor e editor Carlos Emílio C. Lima.

- Recital com os poetas e ficcionistas das antologias cronopianas.


Sexta-feira, dia 20 de julho, às 19h30

Local: Casa das Rosa Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura

14/07/2012

Antologia Portal Cronópios/Arraia PajéurBR

Então. 

Estou numa antologia do Portal Cronópios em parceria com a revista Arraia PajéurBR .


Lançamento em São Paulo, dia 17 de julho, às 19h30 na sede da FUNARTE em São Paulo.

Alameda Nothmann, Nº 1058 – Centro. Próximo às estações Santa Cecília e Marechal Deodoro do Metrô.

Editor: Carlos Emílio C. Lima
Organização das antologias: Carlos Emílio C. Lima, Cláudio Portella e Pipol.
Projeto gráfico: Augusto Oliviera e Carlos Emílio C. Lima.

É isso.

13/06/2012

Caixa D’Água

II

O Caixa D’Água morava na minha rua.

Casa da esquina, sem reboco. E cheia de entulhos.

Velhas mãos de dedos compridos. Fina. Pele encardida de sol. Passava a maior parte do dia com as pernas estiradas na calçada. E o eterno cigarro na boca, as chinelas jogadas de lado, cercado por restos de garrafa pet. 

Vez ou outra fazia um carrinho, uma boneca. Coisa do tipo. Uma cesta de Natal fora de época. 

Mas, no sempre, a especialidade eram os cataventos. 

Vendia pouco. Quase nada. E os cataventos terminavam empilhados no quintal. Equilibrados em podres cabos de vassoura. Rangendo. Enfiados na ponta de bambus, na cerca de taquaras ressecadas. 

Chamavam o Caixa D’Água de Caixa D’Água por conta da cabeça.

Inversamente proporcional as canelas miúdas, aos ombros espremidos no peito, guardando a tosse sistemática.

A cabeça do Caixa D’Água parecia uma caixa d’água male ou meno equilibrada num pescoço de borracha. Meio solta no vazio. Um catavento que desejasse escapar.

Boiando sobre o corpo.





15/05/2012

Chofer




I

Encontrei o Pingo debaixo da carcaça do Chofer.

Chofer era como todo mundo chamava aquele Fiat 147. Afundado no lote, do lado da escola. Ainda tinha os vidros laterais e as rodas dianteiras. Bancos cheios de pulgas, fedendo à urina de rato, bosta de pombos e cachorro molhado.

“Você viu as crianças?”.
“Lá no Chofer”.

Supunham que o Chofer tinha sido de um tal de Cangaço. Suposto italiano dos dedos peludos, supostamente tinha vivido nas redondezas. Há uns sete anos: algo como o bandido mais famoso da breve história da cidade.

Brincávamos praticamente todo dia no Chofer. O Zé Puta e o Banana costumavam apontar buracos de ferrugem na lataria e falar de tiros.

“Esse foi quando o Cangaço roubou três postos de gasolina”, dizia o Zé Puta.

“No terceiro posto, uma loirinha se apaixonou por ele e entrou no carro. E eles foram perseguidos pela polícia até que o Cangaço ficou sem gasolina, e teve que deixar o Chofer aqui. E fugir pra Cruzília.”.

Era essa a história.


Dava pra ouvir os disparos de 38, cheiro de pneus fritando, as risadas do Cangaço ecoando junto das sirenes ecoando pelo bairro.

A gente costumava encontrar camisinhas no Chover. E uma vez o Banana encontrou uma calcinha e vendeu pro Digão por treze reais. Treze reais era praticamente toda grana que o Digão ganhava vendendo abacate pra mãe dele.

O Digão levou aquela calcinha pra casa e guardou debaixo do colchão.

Um troféu roubado ainda é um troféu.

E foi aí que o Digão passou pra outro nível. Não o nível dois (onde estavam o Zé Puta e o Banana, cheios de histórias). Um nível intermediário.

Meio nível, talvez.

O Digão era o único cara da nossa idade que tinha uma calcinha de verdade em casa.

Quando eu ia até a casa do Digão, eu pedia que ele deixasse eu pegar um pouco. E como eu sempre pedia e outros também pediam, o Digão logo percebeu uma forma de ganhar dinheiro com aquilo.

Começou a alugar a calcinha.  

Com o dinheiro o Digão comprou uma espingarda de chumbinho toda enferrujada, do seu Arlindo. E saía por aí acertando a fuça de pardais.

Mas o importante é que ninguém com um pouco de juízo ia ao Chofer quando chovia, principalmente depois da aula.

As calhas da escola despencavam direto no lote. Virava um lamaçal. E além de tudo, o mato era alto. A gente sempre apanhava por nada. Os pais de todo mundo viviam batendo. Batendo. Às vezes sem explicar o motivo, sei lá. Parecia algum tipo de passatempo de adultos.

Nada de bom na televisão, hmm, vem cá moleque. E traz a cinta.

Bastava uma risada durante o jornal, um comentário na hora da janta – às vezes só o barulho de mastigar.

Chegar em casa com o tênis sujo de barro, o uniforme molhado, era pedir pra apanhar.

Fomos só o Digão e eu. Dois cabeças duras. Íamos fazer o de sempre. Dirigir por estradas desertas, assaltar três ou quatro bancos, enganar a polícia nas esquinas do bairro.

Mas aí eu comecei a ouvir aquele barulho. O choro do Pingo – que ainda não se chamava Pingo – todo encharcado debaixo do Chofer.

Rodeei o carro, seguindo os barulhos do bichinho.

Chamei. E o Digão também chamou. Mas o Pingo não quis sair de lá.

Tive que agachar pra conseguir pegá-lo.


Saiu igual um Zumbi que tivesse acabado de escavar sua volta ao mundo dos vivos - tão imundo que não dava para saber a cor do seu pelo.

"É meu", eu disse.

O Digão disse que eu podia ficar, que ele não gostava de cachorro.

Na verdade, era a mãe do Digão que não gostava de cachorro. Ela tinha três gatos perebentos em casa, (coisa pra espantar os ratos - embora ali no bairro aparecesse ratos do tamanho gatos, e vice-versa - mas funcionava). Ela não gostava de cachorros porque viviam perseguindo os gatos dela. E ela era apaixonada por aqueles gatos encardidos. Perebentos. Magros feito frangos do pescoço pelado.

A mãe do Digão costumava colocar chumbinho no angu e dar pros vira-latas da rua. Sempre aparecia a carcaça de um cachorro.

Às vezes a gente descobria pelo cheiro.

Todo mundo sabia como acontecia. Mas talvez porque houvesse tantos vira-latas no bairro, revirando o lixo, uivando, andando em bando atrás de cadelas - ninguém dava falta. Boatos. E ninguém ligava.

Coloquei o Pingo no colo, ele começou a se revirar, a chorar ainda mais. Chorar e balançar as patas. Então escorregou da minha mão, e quando eu fui tentar pegá-lo, desequilibrei e caí, com a orelha atolada no barro.

“Oito ponto três”, disse o Digão, e me estendeu o braço.

Levantei, peguei o Pingo: e saí andando. E minha maior preocupação nem era o barro na roupa.

O tênis. A sova.

O negócio era convencer meu pai a deixar eu ficar com o Pingo.

***

26/04/2012

Tá certo.


Eu deveria vir aqui com certa regularidade pra compartilhar com vocês alguma história dessas novas velhas novas aventuras - reais ou não, tanto faz - de rapaz do interior, espremido e cochilando às seis e meia da manhã num ônibus lotado rumo ao Jabaquara (ou Conceição, tanto faz).

Talvez uma cena ou outra dessas cenas muito loucas, que sempre impressionam um rapaz do interior, recém-chegado na capital.

Av. Bandeireantes às sete horas da manhã forçaria o diabo a rever seus conceitos de castigos eternos. Porque a sensação de lentidão é tanta, que às vezes a impressão que eu tenho é que o motorista engatou a marcha moonwalker. Mesma sensação de uma baldeação na Linha Amarela-Linha Verde, na Consolação, às dezoito horas. É tão movimentado como o ramadan.

E dia desses, vi um sujeito morando numa árvore, na 23 de maio - em pleno 2012 - na cidade mais rica do país.

Eu deveria escrever qualquer coisa sobre a minha contínua e sempre primeira impressão de São Paulo.

Normal. E não. Ainda não tenho nada a dizer sobre isso.

Mas, olha só, o Bernado Carvalho disse umas coisas legais, bem legais, sobre São Paulo.

Tá certo?

É isso.

***



28/03/2012

Pina

Não entendo nada de dança contemporânea. Mas fiquei bem curioso com Pina. Assisti o filme na sexta-feira passada, numa sala de cinema praticamente vazia, e não me decepcionei. O filme é fabuloso. Fica a dica.




31/01/2012

Problemas de criação literária e finitude.




Lá em Luminárias, a gente chama esse bichinho (Hemidactylus mabouia) que vive nas paredes das casas, entulhos, construções, frestas de telhados: de camaleão (porque muda de cor).

Em outros lugares, chamam o bichinho de lagartixa (segundo a wikipédia, no Centro-Oeste chamam de taruíra; e no Nordeste, de víbora). Mas, lagartixa, em Luminárias, até onde eu me lembre, é esse bichinho aqui em baixo (Psammodromus algirus). Que vive no mato. 



Questão insolúvel.


***
Cheever é um excelente narrador. Estou lendo os 28 contos de John Cheever (Companhia das Letras, 2010) e gostando bastante. Mas, em alguns contos, senti o final descendo abrupto, como se o conto precisasse terminar por uma questão de caracteres. E fica aquela sensação de texto inacabado. Mas, talvez, seja apenas expectativa do leitor admirado - e ao mesmo tempo aflito - diante do fim de um texto saboroso. Nunca é fácil lidar com a finitude (tampouco, com o infinito).