30/09/2013

Gênesis

Mesmo quem não saca nada ou muito pouco de fotografia, como é meu caso, já deve ter ouvido falar do Sebastião Salgado, essa grande celebridade do universo monumental dos obturadores abertos, do preto e branco em alto contraste.



Eu particularmente gosto mais dos registros cotidianos, menos exóticos e retumbantes, como do Lartigue. Mas tenho que confessar que vale a pena tirar um tempo e ir visitar a exposição Gênesis, no SESC Belenzinho.

As 245 fotografias são resultado de oito anos de pesquisa e de viagens aos recantos mais inóspitos do mundo. Espécie de Indiana Jones místico e com uma câmera na mão, Sebastião Salgado declarou em entrevistas que o seu objetivo era captar locais e seres na terra que ainda estariam intocáveis, como no dia do Gênesis. A tartaruga gigante de Galápagos, o namoro de um casal de albatrozes no arquipélago Willis, o incrível homem lama de dedos de bambu, dançando aos pés de uma cachoeira na Papua Nova Guiné, e, claro, a divertida corrida de Pinguins-de-barbicha nas ilhas Sandwich estão entre os destaques.

Mas se de repente você se sentir em uma aula de geografia – diante de um documentário preto e branco da National Geographic – não se preocupe. Basta pensar que o aspecto mais interessante dessa obra talvez esteja além das fotografias concretas, expostas em belos painéis. Talvez o mais instigante seja vislumbrar o processo criativo, a trajetória do artista. Imaginar a jornada, aos poucos, ao longo de oitos anos. 

Esse aspecto, a meu ver, merecia um registro à parte. 

15/09/2013

Perspectiva

Cada vez que descubro um diretor de talento acima da média (a mesma coisa ocorre também com um escritor), um sujeito que eu mal suspeitava a existência (e sobreviveria muito bem sem conhecer, assim como se sobrevive muito bem sem provar o cheiro da Mona Lisa, sem comer a Nicole Kidman, ou coçar os olhos numa tempestade de areia no Saara), cada vez que me deparo com uma obra cinematográfica dessa envergadura, é como se a vastidão caipira da minha ignorância contemplasse a vastidão desse horizonte a se perder de vista que é o mundo do cinema para além dos cartazes pregados no terceiro piso sempre limpo dos shoppings, onde cidadãos suburbanos trabalham até dez horas da noite de um sábado ou domingo a troco de mixaria, para servir pipoca e coca-cola e garantir a diversão unidimensional de um casal unidimensional que acha genial essas comédias pasteurizadas tipo Globo Filmes.


Climas (2006)


Esse pequeno adendo mal humorado apenas para dizer que eu mal fazia ideia de quem era Nuri Bilge Ceylan, quando fui ver Era uma vez na Anatólia. É sempre um risco e nem sempre recompensado, mas eu gosto de ver filmes sem planejar, sem manuais interpretativos a priori. Além de ser uma boa estratégia para escapar da cartilha publicitária que arrasta nós todos a esses objetos de puro consumo disfarçados de cinema, um bom filme é uma das poucas coisas na vida capaz de te forçar a experimentar outra realidade. Assumir outra perspectiva.

Embora seja apenas um suspiro de duas horas na escalada de Sísifo de uma segunda a outra, encarar outra perspectiva além do centro gravitacional do ego é salutar. Essa imersão, pelo menos pra mim, costuma ser mais efetiva com a leitura, mas no cinema – assim como uma viagem ou uma mudança de cidade, ou quando você acaba criando vínculos razoavelmente satisfatórios com pessoas que têm crenças e princípios contrários aos seus – há essa possibilidade de experimentar a si mesmo e o mundo por outra ótica.

***

Se alguém me perguntasse de supetão o que é a beleza, em sentido radical, eu diria que a beleza é uma destas poucas coisas que te mobiliza a continuar vivendo. E a beleza em Ceylan – além dos planos longos e abertos, da opção pelo silêncio, do apreço pela fotografia – está nessa habilidade simples e ao mesmo tempo sofisticada de projetar os dramas das personagens na natureza concreta. Em Climas, essa projeção da subjetividade das personagens na natureza conduz o filme em dois planos narrativos distintos. Sutil e sofisticado, o clima lá fora é inversamente proporcional ao sentimento do casal. Em 3 Macacos, por sua vez, a ausência do filho afogado se enrosca ao pescoço do pai, literalmente. E como numa espécie de parábola mística, aquele céu negro ao final sugere que a culpa não expiada se propaga indefinidamente, como uma hemorragia contagiosa. Enquanto signo de um possível perdão, o céu se fecha e ameaça desabar. Não há salvação. Diante da fragilidade humana, a culpa assume contornos de maldição. Curiosamente, em Era uma vez na Anatólia, um sujeito a persegue intencionalmente, tentando incorporá-la, satisfazê-la, mesmo que no lugar de outrem. 

De resto, basta dizer que são três ótimos filmes de um excelente diretor. Vale muito a pena conhecer. Mesmo que atrasado, como eu.