15/11/2013

Sem pressa

Olhando para trás, esses 30 dias em casa se afiguram como um mísero gif de seis segundos e meio de memória, oscilando entre o resort das fraudas, a cachoeira das mamadeiras e a exploração do enigma de cada novo choro. 

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Desço do ônibus por volta de 23h15. Há sempre meia dúzia de moleques com garrafas de bebidas e skates, debaixo da marquise de um galpão abandonado. Às vezes, dá para ouvir os acordes de um violão. Barulhos de garrafas. Evito acender um cigarro, abaixo a cabeça e sigo em frente.


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A precariedade da minha memória às vezes me espanta. Esforço-me para tentar lembrar o conteúdo de duas aulas atrás. Falho com vigor. Esqueço os nomes de filmes que vejo. O enredo do livro desaparece diante dos meus olhos. É o cansaço. Talvez.

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Segunda-feira eu volto a trabalhar depois de 30 dias de férias. É sempre bom. Mas estes últimos dias acabam por evocar a ansiedade de um grande e único domingo. Um domingo do tamanho de uma semana. E a cabeça querendo penetrar nos grandes mistérios da vida: qual será o saldo do meu FGTS? O que é o tempo? É hora de começar uma previdência privada?

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PHOTOGRAPH BY J. BAYLOR ROBERTS, NATIONAL GEOGRAPHIC

É sempre uma dificuldade enorme pegar o ônibus na estação Vila Mariana. A boca do metrô vai cuspindo cada vez mais gente e parece que todo mundo sempre quer pegar o mesmo ônibus. O meu ônibus. Às vezes falta ar. No começo, eu descia na Ana Rosa, uma estação a mais, só para pegar o ônibus vazio. Mas para isso é necessário acordar mais cedo. E mais cedo que isso é impossível. Dia desses, vi um homem barbudo e descalço carregando uma boneca. O homem simplesmente ia em frente. A boneca estava nua e ele usava um trapo vermelho de camisa e com os botões arrebentados. Segurava a boneca no colo, feito criança. 

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Sexta-feira passada havia um homem de uns quarenta anos no estacionamento do Extra, sozinho, manobrando um carrinho de controle remoto. Era quase 22h e havia poucos carros por lá. Talvez estivesse testando – coisa do tipo – antes de levar para o filho. Mas o fato é que o homem continuava lá, sozinho, fazendo o carrinho dar voltas e voltas, e mais voltas e voltas. Sem pressa. Ele sorria.