Entrou no apartamento e não acendeu a luz. Caminhou em linha reta através da sala esquivando-se por intuição da quina do sofá e da aresta da mesa de vidro. Quando o tapete tocou a ponta do salto, deixou a bolsa cair; veio ruído da queda; era a poltrona maior, três lugares, à esquerda. Um facho de luz atravessou a vidraça e abriu um clarão no centro da sala, subiu no rumo do teto enquanto desvelava a existência da parede branca e da abertura retangular sem portal; fez o caminho inverso e desapareceu junto ao barulho abafado do motor do carro. Penumbra. Ela estendeu os braços até os dedos alcançarem algo firme; pôs-se a tatear as duas paredes laterais enquanto caminhava corredor adentro. Um, dois, três, quatro passos. Parou, tocou a reentrância da porta à direita. Esfregou a superfície de madeira com a palma da mão enquanto traçava pequenos círculos irregulares e incompletos. Rastreava a maçaneta revestida de protuberâncias; ao encontrar, envolveu-a entre os dedos; mas não forçou. Soltou, resvalou a mão no portal, reconheceu a parede, voltou a caminhar. Um, dois, três: o som do bico do sapato ao bater na porta no quarto semi-aberta. Empurrou, deu dois passos pra frente, tirou o sapato e se jogou na cama, de bruços; começou a se mexer, se enroscou no edredom como se roubasse um abraço e sentiu cheiro de amaciante; virou de lado, dobrou os joelhos, encolhida. Tinha sede de ar; puxou profundamente; na hora de soltar, abriu a boca e sentiu correr através das gengivas, entre os dentes, pelos cantos dos lábios, esvaziava os pulmões. Três vezes: cheio, depois vazio. Retina quase acostumada a escuridão: identificou o guarda-roupas, às portas abertas, casacos imóveis sem partículas de uma festa tediosa e enfumaçada. Puxou o ar, soltou. Trouxe o travesseiro para o peito e abraçou, e abraçou bem forte. Juntou os pés, esfregou um no outro. Prendeu o ar. Jogou o rosto sobre o travesseiro e prendeu. Prendeu o ar, prendeu o travesseiro no rosto, apertou até seus olhos começarem a doer. Não dormiu; dormir não bastava.
Nossa! Me arrepiou. Falar mais o quê?? Belo!
ResponderExcluirabs
Nossa... faltou-me o ar!
ResponderExcluirCheio, vazio...
Beijos!
Muito bem escrito e envolvente! Vontade de saber mais e mais sobre a personagem... Adorei!
ResponderExcluirhttp://orasbolotas.blogspot.com/
Cena construída com maestria. Parabéns!
ResponderExcluirMui envolvente a cena. O final dá tom sagaz, de quase morte, asfixia, "quero mais".
ResponderExcluirMarcos,
ResponderExcluirQue coisa gostosa é caminhar pelos seus posts.
Sigo-te.
Bj
Obrigado.
ResponderExcluirÉ como se a narrativa fosse contínua, como se não houvesse espaço para deixar de ler entre uma frase e outra. Magnífico :D
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