08/09/2014

Mulher de branco


Detalhe: “Alexandrina e sua Cidade”, de Carybé (1944),  (Foto: Divulgação)


Sábado passado fomos até o Tomie Ohtake ver Histórias Mestiças. Recomendo fortemente. Com a curadoria de Lilia Schwarcz, a exposição é ótima, reúne grandes obras, destas que a gente vê nos livros de histórias e literatura. O único problema é que não há nenhum lugar para sentar. É normal em exposições, mas não facilita a vida de casais com bebê de colo.

Com os joelhos frouxos, encontramos um minúsculo banco praticamente escondido sob as escadas, na saída do restaurante. Já tínhamos almoçado. Paramos antes num restaurante mineiro próximo de casa. Desfiei exaustivamente uma lasca suculenta de picanha para o Joaquim. E ele comeu todo o arroz e o purê de batata e o feijão e o angu que aqui eles fazem temperado. Era por isso que estava com sede e a Quel retirou o copinho da bolsa e começou a encher d’água. Havia pouca gente na exposição, o que me deixou intrigado. O acervo conta com obras de Adriana Varejão, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Portinari. Mas talvez ver esses troços ao vivo seja novidade apenas para mim, um caipira parcamente ilustrado.

Meus olhos flanavam ao longe, pensando em boletos, entrevistas de emprego e o maldito TCC. Logo aquele sábado terminaria e seria domingo já soterrado pela segunda. Essa ansiedade inevitável em aproveitar o fim de semana.

Surge uma família, saindo do restaurante. Um casal grisalho e um outro casal mais jovem, na faixa dos trinta e poucos. Eles avançam à frente naquele andar de leseira e bucho estufado, os dentes branquíssimos e as canelas brancas sob bermudas cáqui. Não olham para trás. No rastro vem uma senhora vestida de branco, cabelo crespo amarrado num coque e monitorando de perto os passos destoados de uma menina de pouco mais de um ano. 

Os dois casais à frente riem e conversam tão baixo que as bocas se movem em silêncio como peças publicitárias de banco sob efeito da tecla mute. A menina dá um giro e anda na direção contrária e fala alguma coisa. Apenas um dos homens olha para trás, de relance, mãos enfiadas nos bolsos, como quem olha um ônibus passar na rua. A mulher de branco tem um semblante alegre e cansado, as mangas arregaçadas, o suor lustrando a face. Está próxima o suficiente da criança para evitar um tombo. Pega a menina no colo e elas caminham na direção de uma vitrine. Elas conversam e riem e trocam beijos no rosto e se afastam cada vez mais da família, já no pé das escadas. O homem de bermuda olha para trás, como quem procura o cachorro fora da coleira. Faz um maneio de cabeça e começa a subir os degraus. A mulher de branco segue atrás. A menina mexe no cabelo da mulher e parece cantar. No alto da escada, o homem de bermuda espera, olhando de cima para baixo. Tira as mãos dos bolsos. Quando elas chegam ao topo, o homem estica os braços. Mas a menina se contorce, vira de costas, e se agarra à mulher de branco. Agarra. Chora. E balança os braços. O homem sorri. Enfia as mãos nos bolsos outra vez. E segue à diante.