26/03/2011

Magrelinha (parte II)



Todo mundo precisava lavar o carro naquela maldita quinta-feira. 

Os caras estacionavam o carro na fila e depois ficavam encostados na mureta, ficavam me olhando enquanto eu esfregava uma roda ou soprava um porta malas. Tinha uns dez caras conversando. Um deles, gordinho, cabeça enfiada nos ombros, manco da perna esquerda, perguntava toda hora quanto tempo ia demorar. Da terceira vez, eu disse, não muito, se quiser pode deixar o carro aqui e voltar depois do almoço. Depois do almoço (o gordinho tava meio contrariado), mas que merda! se eu soubesse que tava assim, tinha ido lá no Everaldo (e foi me dando as costas, falando alto e levantando os braços, indo na direção da turma encostada na mureta, e continuou), devia ter ido lá no Everaldo primeiro. Mas agora fudeu! se sair daqui, pra ir pra lá, quando chegar lá a fila vai dar três dessa aqui.

Eu suspirava, limpava uma roda, ensaboava o vidro e despachava um carro.

O carro do gordinho era o último. 

O gordinho devia ter formigas na cueca. Enquanto a maioria dos caras ficava falando de assuntos bestas, aguardando a vez (como a coisa tem que ser), o filha da puta do gordinho não parava quieto. O filha da puta do gordinho ficava rodando a chave, arrastando os pés e arrastando as chinelas Raider. O filha da puta do gordinho devia ter algum problema. 

O meu problema era que eu precisava falar com a magrelinha. Precisava saber que diabos tinha acontecido. Tava de cabeça quente desde cedo. Nem café tinha tomado. E quando tem alguma coisa me incomodando, eu acabo perdendo a paciência. 

Terminei mais um carro e desliguei a mangueira. Não tinha parado um minuto, precisava ir ao banheiro. Eu tava de costas, me afastando na direção do almoxarifado quando o gordinho começou, ei, mas onde cê pensa que vai? ninguém aqui tá por conta, não! Olha lá que tranquilidade... 

O sangue subiu na hora. 

Aqui, filha da puta (andando na direção do gordinho), enfia esse carro no rabo e some! 

O gordinho (mancando da perna esquerda, num trote acelerado pro meu lado), como é que é? 

Some! Enfia o carro no rabo e vaza, filha da puta! 

O gordinho (arrancando a camisa num movimento só, querendo intimidar), como é que é? 

Filha da puta! 

Como é que é? 

Filha da puta! 

Tava armando pra chegar perto e dar um tombo no gordinho e já cair matando. Quando a gente topou de perto o gordinho fechou uma guarda de boxe. Lasquei um chute na lateral do joelho (direito) do desgraçado, mas o filha da puta nem sentiu. A canhota do gordinho bateu na minha testa igual um toco, minha vista ficou branca que nem papel chamex, dei dois ou três passos pra trás e despenquei de bunda no chão. Ouvi os gritos da turma na mureta e na hora que a vista foi voltando, ainda meio esbranquiçada, vi o gordinho vindo  que nem um urso. Me debulhou um chute nas costelas e eu rolei de lado, destruído.

Lembro que vi um vulto passando no céu, que nem um tiro, e ouvi uma pancada estralada e depois um estrondo; quando virei pra ver, o gordinho tava no chão. 

Foi aí que eu entendi porque o sujeito da cabeça russa tinha o apelido de Japonês. Me contaram depois, um dos frentistas, que foi a voadora mais bonita que ele viu na vida. Nem em filme, disse o frentista, até meio emocionado. O Japonês largou da mão magrelinha e disparou numa carreira e saltou, deve ter saltado mais ou menos uns cinco metros de distância, e quando chegou perto (diz o frentista), o Japonês esticou a perna, da canela pra baixo, e lascou uma lapada na fuça do gordinho e mandou o filha da puta no chão que nem um saco de cimento. 

Dois caras daqueles que tavam na mureta cataram o gordinho e sumiram dali. 

Eu fiquei com um ovo na testa e um hematoma escuro, do tamanho de um prato, nas costelas. Mas fiquei mesmo é devendo obrigação pro Japonês. E o foda é que eu tava sacaneando com o Japonês.

Pelo menos a camisa do gordinho tinha ficado pra trás. Deu uma bela estopa.

******

Um comentário:

oi.