19/08/2011

Dois lados


O cara me enviou o conto por email. Não gostei do texto e fiz alguns apontamentos. Mostrando alguns probleminhas e coisas explícitas demais. Dessas coisas mais simples que a gente faz numa oficina literária. Dá e ouve opiniões. Aceita as que fazem sentido e descarta as que não fazem. Enfim, sugeri a ele que cortasse alguns trechos e expressões meio batidas, e que no fim das contas, ele deveria reescrever, deveria trabalhar mais o texto. Ele me respondeu furioso. Disse-me que o conto estava pronto e que não ia mudar nenhuma linha. Disse que tinha uma obra sólida, mais de quarenta livros publicados, mais de trinta anos de literatura!, como se esfregasse isso tudo na minha cara. Fiquei um pouco chocado com isso tudo. (Eu, que nem tenho obra ainda, um livrinho só, dois anos de literatura? que talvez nunca tenha uma obra sólida, afinal, tudo que é sólido se dissolve no ar, eu pensei). E pensei em dizer a ele que o fato de ter quarenta livros publicados e um prêmio, e trinta anos de literatura, não fazia daquele conto um bom conto. E muito menos me obrigava a gostar daquele texto. E que tinha gasto meu tempo (de graça!) lendo aquele conto, na maior boa vontade. Tinha me dado ao trabalho de comentar, de apontar, de sugerir. E da forma mais honesta possível, oferecido minha impressão de leitura. Agora, no fim das contas, ele me retribuía isso com ofensas e indiretas? Mas não. Tudo bem. Respirei fundo, contei até dez, e disse que eu tinha feito apenas algumas sugestões, (o que de fato era verdade), e não estava questionando a obra dele (outra verdade), e quanto ao texto, ele tinha liberdade e autonomia pra fazer aquilo que achasse melhor. E ficou tudo bem.
Foi mais ou menos isso.

*** 

Faz um ano que venho trabalhando naquilo que eu espero que seja um livro. Precisava muito de um olhar externo para saber mais ou menos como a coisa está. Primeiro, porque o texto é produzido na mais absoluta solidão. É só você e o texto. É só assim que funciona. E eu tenho tentado construir um estilo bem diferente do meu primeiro livro. Enfim. Nunca é fácil. A gente muitas vezes sente intuitivamente se a coisa vai vingar ou não, e vai avançando, mas, têm horas que a coisa complica, e essa leitura externa mais ou menos imparcial é fundamental. Enviei um trecho a um escritor que admiro e respeito muito o trabalho. Ele foi o mais direto possível: “não gostei do texto”. Apontou os motivos, fez marcações e ainda corrigiu umas crases! Explicou aquilo que o incomodava. E ainda se deu ao trabalho de apontar claramente no primeiro parágrafo aquilo que na visão dele enfraquecia o texto. Ou seja, de uma honestidade e generosidade que não há como retribuir. Não há muita gente assim por aí, não é?

Bom, é mais que evidente que isso não me desanima e muito menos me deixa ofendido. Muito pelo contrário! Abre possibilidades: ver as coisas de forma mais arejada. Voltar ao texto com outro olhar. Melhorar. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Me ajudou demais.
Eu só tenho a agradecer.

***

Isso tudo me lembrou o José Lins do Rego. Segundo o Graciliano, o Lins do Rego, sempre que recebia um texto, já tinha uma resposta pronta: “Adorei seu texto, achei tudo lindo e maravilhoso!”. Ficava bem com todo mundo, é claro. Mas, por outro lado, assassinava uma centena de bons escritores em potencial. No fim das contas, se a gente for pensar bem, era uma boa forma de eliminar a concorrência.

2 comentários:

  1. Que legal, ne? É por essas, que alguns escritores por aí não analisam [nada nem ninguém] e são tidos como arrogantes ou "estrelas". Acho mais prudente, embora considere que sem uma troca honesta e generosa entre "colegas", fique mais difícil se aperfeiçoar, ou chegar a algum lugar. Admiro, não só seu trabalho, como sua posição e disponibilidade [no que me diz respeito], impagáveis. Esperto era o Lins!

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  2. Heitor, grato pelo comentário.
    O Lins deve ter ficado assim tão doce de tanto lambuzar os beiços em melado e garapa nos engenhos!

    um abraço.

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oi.