A janela
ficava sempre fechava e o rádio chiando o tempo todo. A madeira
encarnava um cinza fosco, recortado por manchas pretas. Quando eu
subia aquela rua, ouvia as rezas em loop contínuo se aproximarem,
misturado aos chiados do rádio vacilante, sintonizado em AM. Eu
pregava os olhos na janela e continuava subindo. Acho que era um
terço, algo assim. Aquilo que a legião de vozes sussurrava através do
rádio, chiando, como se a mensagem viesse de uma dimensão paralela
ou coisa do tipo. Eu sabia pouco. Sempre soube pouco. Mas fiquei
curioso com aquilo. Havia um homem lá dentro e aquela janela estava
sempre fechada. Não entendia porque um homem ficaria o dia todo lá
dentro, provavelmente deitado, ouvindo rezas e rezas. Lembro que
perguntei a minha mãe por que o homem não saía de lá.
“Ele é
muito velho”.
Não sei
muito bem como encarei essa explicação. Talvez tenha entendido a
debilidade física. A incapacidade de juntar-se àqueles velhos que
ficavam na praça, que eu via todos os dias. Àquele que carregava
alfaces frescas na rua. Não sei bem. Talvez ele tivesse algum
problema. Talvez fosse tão velho que já não conseguisse andar. Talvez não tivesse pernas ou elas simplesmente não funcionassem. Mas
mesmo isso não explicava a janela fechada, e muito menos explicava
aquele rádio, rezando dia após dia, como se fosse expulsar uma
legião de demônios, ou aliviar uma culpa secreta, dessas que
esmagam o coração de um homem.
Quando o
homem morreu eu fui ao velório. As rezas eram as mesmas. Só que
agora eram os vizinhos ali, rezando. Outros vizinhos na cozinha,
rindo. Barulho de xícaras e copos. Tinha mais crianças ali, outras
correndo na rua. O homem estava estendido na sala. Era realmente
muito velho. A pele igual papel de tão branca e fina. Mas não era
isso que me impressionava tanto. Fui andando na direção do quarto.
O assoalho de madeira cheio de vãos. Lembro do cheiro de roupa
guardada, um cheiro forte. A cama desarrumada. Um lençol fino,
branco, misturado ao cobertor leve e sem cor definida. Restos de
velas no criado mudo. Uma caixa de fósforo e o rádio. Era pequeno,
cinza, com a antena encolhida. As pessoas atrás de mim continuavam repetindo como que hipnotizadas. Eu simplesmente estiquei a mão,
ia rodar a chavinha. Mas minha mãe me puxou. Me levou de volta pra sala. Fiquei ali encolhido,
no meio de todo mundo. Encolhido num canto, arremedando aquelas vozes da melhor forma que
podia.
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oi.