17/10/2011

Monólogos em colisão

Prastene Pohadky, from the collection of Sam Smith
via: 50watts.com




1) A melhor coisa do mundo seria se bastar a si mesmo. Na verdade, a melhor coisa seria nunca ter existido. Mas já que estamos aqui, se bastar a si mesmo estaria de bom tamanho.

2) Ficar sozinho e sem nenhuma relação mais profunda com ninguém. O silêncio da água jorrando sobre a pia enquanto você lava um prato, sozinho. Estirar-se no sofá porque não há ninguém pra sentar do seu lado. Escolher o filme que você quer, sem atrito, no cartaz do cinema ou na locadora, só com suas próprias dúvidas. E ninguém pra perturbar seu sono na cama de casal grande e espaçosa. Nenhum barulho de passos na casa sem ninguém, cheia de plantas. Cadeiras vazias. Vidros limpos e estantes brancas. E mais nada.

3) E se tudo correr mais ou menos bem, uma hora ou outra, você vai sacanear quem você mais ama. Ou vai  levar chumbo de quem diz te amar. E no fim, carregar um caixão e velar um corpo. Ou ser velado por quem mais te ama. Em ambos o casos, sozinho.

4) A gente precisa da alteridade, mas é uma alteridade apenas de identificação: "aquela pessoa não sou eu", em alguns casos: "ainda bem que aquela pessoa não sou eu".  E mais nada.

5) Mônadas opacas e fechadas, cuja única coisa em comum é essa ilusão de estar vivendo ao mesmo tempo. Mas até o tempo tem o ritmo do dono do relógio. Por isso há tanta assimetria. No máximo, estamos aqui vivendo vidas paralelas, esbarrando nas arestas uns dos outros. Ninguém se comunica. Basta se aproximar demais pra perceber o quanto não sabemos nada sobre ninguém. O quanto aquela pessoa legal é estranha, irredutível. Fechada em si mesmo como uma pedra. O quanto você mesmo é uma pedra. E seja pelo filme em cartaz, o estilo da música no rádio, a gente termina falando e falando, ouvindo e ouvindo, batendo cabeça contra cabeça e percebendo que ninguém comunica nada.

6) Só monólogos em colisão.

7) Pedras entre pedras, batendo umas contra as outras.

8) E no fim, apenas o pó.

10) Ideal seria se bastar sozinho. Mas não dá. 


5 comentários:

  1. "A gente nasce e morre só. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto viver acompanhado". Rachel de Queiroz

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  2. 8)"E no fim, apenas o pó".

    Gostei disso.

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  3. Bastar a si mesmo. Bela utopia.
    Mas gostar da própria companhia é um dom que poucos possuem.

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oi.