Colourful Ensemble (1938) (2), Wassily Kandinsky |
Quando alguém nos visita, todo mundo só quer saber dela. "E aí, como vai a barriga?".
Oriunda de uma hierarquia cujo
critério não responde à cronologia, ela chegou por último e já botando moral. Já de cara, cortou o álcool, carne de
churrasco e o meu cigarro – seja o frio que for – só na sacadinha. E não se
esqueça de lavar as mãos ao voltar.
Segundo a OMS – representada pelo
ilustre farmacêutico da farmácia da esquina – o teste tem de ser feito com a
primeira urina da manhã. E foi assim a chegada definitiva da barriga – embora
já houvesse suspeitas – um teste de farmácia às 5h15 da madrugada.
Ainda meio cético, e fundamentalmente empírico – tive de dar uma olhada
na barriga, dar uma alisada na barriga e ver se era aquilo mesmo. Embora não
seja especialista no assunto, afinal é a primeira barriga – constatei perplexo:
sim, de fato, é uma barriga.
E com barriga ninguém pode. Minhas merecidas férias, agendadas para julho, tiveram que ser postergadas sem choro nem vela para o longínquo mês de novembro. E a sonhada viagem a Recife – até então dona do pedaço, gestora do orçamento
familiar e das decisões de se comer fora ou fazer um macarrãozinho maroto em
casa mesmo – a viagem planejada desde o ano passado, já com as passagens
compradas, ficou pra outra vez.
É a barriga quem cuida do cardápio.
A fruteira no canto da cozinha – outrora guardava um maracujá solitário, um mamão
eternamente verde e meia dúzia de bananas prata – agora vive transbordando mexericas,
laranjas e melancias de dois quilos e meio. E faz urrar o liquidificador logo cedo, para o terror dos
vizinhos, dois copos de suco verde.
Pelo menos, no que tange as
burocracias, sob o respaldo da Lei, a barriga pode furar filas.
Ao invés dos célebres perfis e jornalismo literário da Piauí, agora só leio as dicas imperdíveis da revista Crescer. Nas idas à Livraria Cultura, a seção de literatura não é mais prioridade. Subimos para o segundo piso e saímos com a sacola cheia de livros de capa dura, cheios de fotos, escolhidos em função da barriga.
Mal chegou, a barriga está cheia de presentes. Das cunhadas, sogras, tios e primas. É toalhinha bordada, sapatinho vermelho e até projeto de reforma de quarto. Só não sabemos se rosa ou azul. Talvez verde?
Nos últimos quatro meses, já
visitamos a barriga duas vezes. A médica disse que está tudo bem, o que dá
certo alívio, embora eu sabia que, daqui pra frente, a barriga só vá crescer e impor mais demandas. A vaidade da barriga exige cremes de todo tipo. Há boatos científicos de que a barriga já houve música. E logo em breve, vai começar a mexer.
Mas a demanda mais recente é conversar com a
barriga. E é uma coisa meio doida conversar com a barriga.
Apesar da timidez, tenho praticado. Antes de
dormir, dou uma escorregada por debaixo da coberta, e fico frente a frente com
ela. Faço um carinho primeiro, para aliviar a tensão. Ela permanece ali,
imperscrutável, blasé, toda cheia de si. Falo o que me vem à cabeça, sem pensar muito. Às vezes sobre o futuro, noutras vezes uma piada, ou só barulhos cantarolados. A barriga balança com as risadas. Está tudo bem. Dou um beijo, bem abaixo do umbigo, e vou me deitar em paz.
gostei que só do jeito de escrever sobre "a barriga". bonito.
ResponderExcluirflores.
Obrigado, Vanessa! : )
ResponderExcluirque fofura :)
ResponderExcluir@ericamagni
Valeu, Érica!
ResponderExcluirCara, aqui estamos igual! Na "segunda" barriga, só esperando o que vai sair dela! TExtos cada vez mais incríveis, simples e incríveis. Saudade!
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