31/05/2013

"E aí, como vai a barriga?"

Colourful Ensemble (1938) (2), Wassily Kandinsky


Agora, quem manda lá em casa é a barriga. 

Quando alguém nos visita, todo mundo só quer saber dela. "E aí, como vai a barriga?".

Oriunda de uma hierarquia cujo critério não responde à cronologia, ela chegou por último e já botando moral. Já de cara, cortou o álcool, carne de churrasco e o meu cigarro – seja o frio que for – só na sacadinha. E não se esqueça de lavar as mãos ao voltar.

Segundo a OMS – representada pelo ilustre farmacêutico da farmácia da esquina – o teste tem de ser feito com a primeira urina da manhã. E foi assim a chegada definitiva da barriga – embora já houvesse suspeitas – um teste de farmácia às 5h15 da madrugada.

Ainda meio cético, e fundamentalmente empírico – tive de dar uma olhada na barriga, dar uma alisada na barriga e ver se era aquilo mesmo. Embora não seja especialista no assunto, afinal é a primeira barriga – constatei perplexo: sim, de fato, é uma barriga.

E com barriga ninguém pode. Minhas merecidas férias, agendadas para julho, tiveram que ser postergadas sem choro nem vela para o longínquo mês de novembro. E a sonhada viagem a Recife – até então dona do pedaço, gestora do orçamento familiar e das decisões de se comer fora ou fazer um macarrãozinho maroto em casa mesmo – a viagem planejada desde o ano passado, já com as passagens compradas, ficou pra outra vez.

É a barriga quem cuida do cardápio. A fruteira no canto da cozinha – outrora guardava um maracujá solitário, um mamão eternamente verde e meia dúzia de bananas prata – agora vive transbordando mexericas, laranjas e melancias de dois quilos e meio. E faz urrar o liquidificador logo cedo, para o terror dos vizinhos, dois copos de suco verde.

Pelo menos, no que tange as burocracias, sob o respaldo da Lei, a barriga pode furar filas.

Ao invés dos célebres perfis e jornalismo literário da Piauí, agora só leio as dicas imperdíveis da revista Crescer. Nas idas à Livraria Cultura, a seção de literatura não é mais prioridade. Subimos para o segundo piso e saímos com a sacola cheia de livros de capa dura, cheios de fotos, escolhidos em função da barriga.

Mal chegou, a barriga está cheia de presentes. Das cunhadas, sogras, tios e primas. É toalhinha bordada, sapatinho vermelho e até projeto de reforma de quarto. Só não sabemos se rosa ou azul. Talvez verde?

Nos últimos quatro meses, já visitamos a barriga duas vezes. A médica disse que está tudo bem, o que dá certo alívio, embora eu sabia que, daqui pra frente, a barriga só vá crescer e impor mais demandas. A vaidade da barriga exige cremes de todo tipo. Há boatos científicos de que a barriga já houve música. E logo em breve, vai começar a mexer.

Mas a demanda mais recente é conversar com a barriga. E é uma coisa meio doida conversar com a barriga.

Apesar da timidez, tenho praticado. Antes de dormir, dou uma escorregada por debaixo da coberta, e fico frente a frente com ela. Faço um carinho primeiro, para aliviar a tensão. Ela permanece ali, imperscrutável, blasé, toda cheia de si. Falo o que me vem à cabeça, sem pensar muito. Às vezes sobre o futuro, noutras vezes uma piada, ou só barulhos cantarolados. A barriga balança com as risadas. Está tudo bem. Dou um beijo, bem abaixo do umbigo, e vou me deitar em paz.



5 comentários:

  1. gostei que só do jeito de escrever sobre "a barriga". bonito.

    flores.

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  2. que fofura :)

    @ericamagni

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  3. Cara, aqui estamos igual! Na "segunda" barriga, só esperando o que vai sair dela! TExtos cada vez mais incríveis, simples e incríveis. Saudade!

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oi.