13/06/2011

"Certas Manhãs", Cioran


A Visão de Jó (1825), de William Blake


"Pesar por não ser Atlas, por não poder sacudir os ombros para assistir ao desmoronamento desta risível matéria... a raiva segue o caminho inverso da cosmogonia. Por que mistério despertamos certas manhãs com a sede de demolir o conjunto inerte e vivo? Quando o diabo penetra em nossas veias, quando nossas idéias sofrem convulsões, e nossos desejos cortam a luz, os elementos se inflamam e se consomem, enquanto nossos dedos filtram a cinza.

Que pesadelos suportamos durante as noites para acordarmos inimigos do sol? Devemos liquidar a nós mesmos para acabar com o todo? Que cumplicidade, que laços nos prolongam em uma intimidade com o tempo? A vida seria intolerável sem as forças que a negam. Donos de uma saída possível, da idéia de uma fuga, poderíamos facilmente abolir e, no auge do delírio, expectorar este universo. Ou, então, rezar e esperar outras manhãs.

(Escrever seria um ato insípido e supérfluo se pudéssemos chorar à vontade, e imitar as crianças e as mulheres tomadas pelo furor... Na matéria de que somos moldados, em sua mais profunda impureza, encontra-se um princípio de amargura, que só as lágrimas suavizam. Se cada vez que os desgostos nos assaltam, tivéssemos a possibilidade de nos livrar deles pelo pranto, as doenças vagas e a poesia desapareceriam. Mas uma reticência inata, agravada pela educação, ou um funcionamento defeituoso das glândulas lacrimais, condena-nos ao martírio dos olhos secos. Aliás, os gritos, as tempestades de pragas, a automaceração e as unhas cravadas na carne, com as consolações de um espetáculo de sangue, não figuram mais entre nossos procedimento terapêuticos. Daí se segue que estamos enfermos e que necessitaríamos de uma Saara cada um para berrar à vontade, ou as margens de um mar elegíaco e fogoso para mesclar a seus lamentos desenfreados nossos lamentos mais desenfreados ainda. Nossos paroxismos exigem o cenário de um sublime caricatural, de um infinito apoplético, a visão de uma força onde o firmamento serviria de patíbulo a nossas carcaças e aos elementos.)" 

Breviário da decomposição, Emil Cioran: tradução de José Thomaz Brum. Editora Rocco. 2ª Edição, Rio de Janeiro, 1993. p.50-51


2 comentários:

  1. vou ler novamente pq passei so os olhos e nao entendi sobre oq ele quer dizer com todas estas palavras... XD

    ResponderExcluir
  2. eh ele é bem mais visual e metaforico que Camus... Por isso tenho a certeza de q pior minha vida não está pois decidi transbordà-lá pela escrita já que o choro não resolve nada...

    ResponderExcluir

oi.