Yvie Booth, in: http://incredibilis.tumblr.com |
O outro ônibus, que atravessa a Fernão Dias de São Paulo para Três Corações (e vice-versa), é outra coisa. É quase um avião pregado ao asfalto, com pessoas na maioria das vezes silenciosas, o ar condicionado, as largas janelas, poltronas reclináveis, motor silencioso.
O ônibus brasileiro é de outro naipe. O estofado da poltrona é esquelético, colado à madeira. A lataria range, a suspensão é dura. Está sempre lotado, e fico impressionado com a capacidade de abstração do cobrador e seu bloquinho de passagens: o xerox analógico do carbono, os bolsos da pochete cheios de moedas e notas miúdas, a rapidez das contas de cabeça. No outro ônibus, esse avião de rodas coladas no asfalto, não há cobrador.
O ônibus brasileiro é de outro naipe. O estofado da poltrona é esquelético, colado à madeira. A lataria range, a suspensão é dura. Está sempre lotado, e fico impressionado com a capacidade de abstração do cobrador e seu bloquinho de passagens: o xerox analógico do carbono, os bolsos da pochete cheios de moedas e notas miúdas, a rapidez das contas de cabeça. No outro ônibus, esse avião de rodas coladas no asfalto, não há cobrador.
No ônibus brasileiro ainda há sujeitos de chapéu, o cheiro de suor dos trabalhadores, mulheres com crianças no colo, falando de doenças, do preço dos remédios, o cheiro de salame e salgadinho, a alegria transgressora e irracional dos cachaceiros que bebem mais uma, na parada, naquilo que chamam de terminal rodoviário; e os pacotes de arroz, latas de óleo, fardos de açúcar chacoalhando nos bagageiros, os mantimentos - o necessário; pessoas que saltam no meio da estrada porque moram por ali, e você pensa: essas pessoas realmente vivem ali. No outro ônibus, fones atolados nos ouvidos, é tudo muito organizado, todo mundo parece turista, de férias, a passeio, desnecessário.
Descer do ônibus que vai de São Paulo até Três Corações e pegar o ônibus que vai para Luminárias (e vice-versa), é como cruzar uma fronteira.
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Nunca fui muito esperto ao pular muros, hesitava no momento do salto, como hesitava ao atravessar por baixo das cercas de arame farpado; o que dirá, atravessar fronteiras. É sempre uma parte que fica quando deveria se desprender e ir, e uma parte que não volta quando se retorna.
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Afinal, toda geografia é sentimental.
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É como ser um estrangeiro sem pátria de origem. Esse constante estado de estranhamento mesmo diante daquilo que é mais reconhecível. Ou deveria ser.
É um falso exílio, no fim das contas.
É um falso exílio, no fim das contas.
o Morris uma vez me disse que a gente cria uma relação com as estradas e é verdade. O ônibus que circula depende da estrada que ele passa, e das pessoas que nele se locomovem. Era como ao ir de São João à Itaúna: quando chegava na Fernão Dias já me sentia em casa, mesmo faltando 100km pra chegar.
ResponderExcluirAbraço