14/11/2010

Naquele bar

Raul estava acomodado numa mesa de frente para mesa de sinuca, espiando uma partida entre o dono do bar, um velho de um olho furado e um outro sujeito de bigode grisalho e chapéu de pêlo, quase um figurante desses filmes de caubóis com botas altas e fivela do tamanho de um pires. Mas Raul não conseguia prestar atenção nas bolas de sinuca.

Raul estava há meia hora naquele bar, à beira da estrada, no meio do caminho entre Três Corações e São Tomé das Letras. O carro tinha quebrado, o celular fora de área, caminhou por quinze minutos e parou naquela bar. Pediu uma cerveja e o telefone emprestado, ligou para um mecânico.

“Vai demorar uma hora pra ajeitar as coisas”, disse o mecânico e Raul não se irritou.

O dono do bar, nomeado João do Bar, perdeu aquele olho na construção de uma cerca. Contava aquela história repetidamente, aos pedaços, três vezes naquele fim de tarde, quase noite; avançava no enredo, para o hospital, voltava para a cerca, praguejava contra o tal do morão amaldiçoado que engoliu seu olho esquerdo; contra a bacia de alumínio cheia de sangue à beira da cama durante duas noites. O outro, da fivela de pires, botas altas e bigode grisalho, dizia que era tudo mentira, que o João do Bar tinha perdido o olho num cochilo. O sujeito de fivela de pires, botas altas, bigode grisalho, disse que o João do Bar dormiu na frente do bar recostado numa cadeira no meio da tarde e um galo faminto roubou o olho com duas bicadas rápidas; na segunda o olho saiu inteiro no bico do galo.

Foi aí que os meninos apareceram.

Sete e cinco anos mais ou menos. Unhas sujas, descalços, sem camisa, cabelos ensebados, olhar desconfiado. O maior vinha com uma taquara na mão, o menor só de cueca. Ficaram parados, olhando na cara de Raul, sem graça, desviando os olhos.

João do Bar, o dono do bar, disse que o morão escorreu na mão na hora de entrar na cova; mas que os dias em casa, antes de ir para o hospital, é que foram tristes. O sujeito de fivela de pires matou mais uma bola e sua botina parecia estar mais pesada, ou pelo menos, mais barulhenta. Disse que era mentira do João do Bar, que o galo saiu com o olho do João do Bar no bico, correndo em roda da casa e que quatro frangos índios vieram enfrentar o galo, que João do Bar partiu atrás do olho, desesperado, sem saber se pegava o galo ou se espantava os frangos.

Raul fingia espiar o jogo tentado despistar o menino maior que continuava encarando. O menor estava na ponta dos pés, braços esticados à beira da mesa de sinuca.

Duas noites em claro, o olho minando sangue, disse João do Bar.

O menino puxou o pequeno e foi até a mesa onde estava Raul.

“Ele lambe meu pé.”

“Oi?”

“Ele lambe meu pé. Quê vê?”

Sentou no chão. Estendeu os braços pra trás, esticou o pé na altura na cabeça do menino menor que, como um filhote de cão, engoliu o dedão miúdo, encardido, unha escura, e começou a chupar como se fosse um picolé.


Quando o mecânico chegou, Raul foi pagar as duas cervejas. Nessa hora pôde ver João do Bar arreganhar os dentes postiços, bem de perto, aquele olho branco e retorcido, morto e ainda sim se movendo. Antes de entrar no carro, topou com o menino maior, correndo em círculos, em volta do menino menor, arrastando a taquara na terra. O menino o encarou mais uma vez. Entrou no carro e acendeu um cigarro.

“Você já foi naquele bar?”

“Não, nunca fui. Por quê?”

“Nada.”

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4 comentários:

  1. http://jogostorrents.blogspot.com/2010/11/call-of-duty-black-ops-2010.html

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  2. Porrada seca Dom M.V. sinistrão com ternura.

    Dieguito morales

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  3. Esse bar eh mais misterioso e encantador do que briga entre cowboys abandonados.

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oi.