27/08/2011

gatinho

Faz uns dez anos mais ou menos. Não sei muito bem o que o gatinho tinha. Estava apenas amuado. Eu ia lá e colocava comida, água, ração. Tentava brincar com ele, mas ele parecia imune a qualquer afeto. Desistiu de arranhar os troncos. De perseguir as galinhas. E tinha até parado de beber os ovos lá no ninho. Então, assim do nada, sumiu. Procurei por toda parte e não havia nem sinal. 

*** 

Uns quatro dias depois, meu pai foi até a horta, lá debaixo de casa, pra arrancar umas mandiocas. E mexendo numa moita lá no fundo, encontrou o gatinho: morto. 


*** 

Invejo essa dignidade dos gatos. Não choramingam. Não vão lá lamber os pés do dono pra pedir ajuda, ou  sinalizar que não dão conta daquilo sozinhos. Simplesmente se afastam, procuram um lugar escondido. Afastam-se dos olhares de piedade daqueles que os amam. Ajeitam-se numa moitinha de capim, acompanhados apenas da escuridão. E completamente sozinhos (como se soubessem de alguma coisa que nós não entendemos), se entregam ao silêncio derradeiro, com a maior dignidade do mundo.



20/08/2011

O ilustre Sr. Décimo Terceiro



O Antônio Lalá era bem surdo. Morava três casas pra baixo da nossa casa. Dava pra saber o que ele tava assistindo pelo barulho da televisão.

Não sei por que, mas o Antônio Lalá tava querendo vender a televisão. Era colorida. E a gente não tinha televisão colorida.

A lá de casa era miúda e redonda. E a grama dos campos era cinza. O Pica-Pau era cinza, o He-Man era cinza. Tudo quanto é coisa era cinza naquele diabo de televisão.

Eu devia ter uns quatro ou cinco anos. E fui com a minha mãe até a casa do Antônio Lalá.

"Vai comprar mesmo?", perguntou o Antônio Lalá, naquele tom de voz elevadíssimo. "Olha, é uma beleza de televisão!".

Eu olhava na cara colorida do Cid Moreira e ficava até meio hipnotizado.

"Eu sei, Seu Antônio", disse minha mãe.

"Hein?".

"Parece boa mesmo!", minha mãe gritou.

"É um colosso!", disse, e lascou um tapa por cima da televisão, para ressaltar a qualidade do produto.

"Mas eu tenho que esperar o Décimo Terceiro chegar, seu Antônio".

"Esperar quem?".

"O Décimo Terceiro!".

“Ah, sim!”, disse o Antônio Lalá: “O Décimo Terceiro. E quando ele vem?”.

"Ainda não sei".

E o tal do Décimo Terceiro me pareceu um senhor de barba. Algum tipo de autoridade que operava milagres. Vagando de lugar em lugar resolvendo negócios. Um funcionário que despachava. Liberava. Autorizava. Negócios. Emitia cheques cheios de cifras que eu não entendia. Negócios. Mandava vender e comprar. Negócios.

Mas o Sr. Décimo Terceiro era meio enrolado, ao que parece. Por causa do jeito que a minha mãe falava dele, o tom de voz. Praguejando junto das amigas na cozinha de casa, fumando e bebendo café. 

"Será que ele vai demorar a sair?", disse uma das amigas da minha mãe.

Eu pensei comigo que o Sr. Décimo Terceiro era daquelas pessoas que demoravam demais pra se arrumar. Trocava uma roupa atrás da outra. Penteava e despenteava o cabelo. Perguntava à mulher como é que estava a calça. Se o sapato tava combinando. Um homem muito vaidoso.

Sempre demorava. E não foram poucas vezes que minha mãe e as amigas ficaram muito irritadas com a demora do Sr. Décimo Terceiro. Soltavam uns palavrões contra um tal de Estado, noutras, contra um tal de Newton Cardoso. Deviam ser chefes do Sr. Décimo Terceiro. Estado, Newton Cardoso. E uma tal de Sra. Primeira Parcela, provavelmente esposa do Sr. Décimo Terceiro. E duas irmãs pequenas, pelo o que entendi, que se chamavam Segunda e Terceira Parcela. Eu ficava de lado com a cabeça embaralhada. Eram  figuras tão misteriosas pra mim. Nunca os tinha visto! E essa turma parecia a turma mais importante do mundo pra minha mãe e as amigas professoras.

Estado. Newton Cardoso. Décimo Terceiro. Primeira Parcela. Estado. Elas repetiam e repetiam, como se estivessem evocando santidades.

Da última vez que o Sr. Décimo Terceiro tinha vindo, embora não o tenha visto, ganhei um bonequinho do Comandos em Ação. E foi por causa do Sr. Décimo Terceiro que a gente pagou um táxis e foi até Lavras, e encheu o carrinho de compras, tomou sorvete e depois encheu a geladeira de danone. O tal do Sr. Décimo Terceiro era um homem muito bom. O Sr. Décimo Terceiro deixava minha mãe muito feliz. Agradava muito minha mãe. Pensei comigo, será que meu pai não tinha ciúmes? Afinal, minha mãe só falava do Sr. Décimo Terceiro. A alegria dela parecia depender da chegada do Sr. Décimo Terceiro. Como se o Sr. Décimo Terceiro fosse um namorado antigo, que havia lhe partido o coração em outros tempos, e depois de anos, tentava reatar os laços. Confesso que eu ficava meio confuso às vezes. Porque também estava muito ansioso pela chegada do Sr. Décimo Terceiro. Não aguentava mais o Chapolin Colorado descolorido.

No fim das contas, pelo pouco que eu entendi, a vinda do Sr. Décimo Terceiro dependia da boa vontade do Sr. Estado, e do Sr. Newton Cardoso, e talvez da liberação da esposa, a Sra. Primeira Parcela. Lembro que me subiu um arrepio na nuca. Não entendia tantas burocracias. E pensei comigo: e se o Sr. Estado e o Sr. Newton Cardoso estivessem mal-humorados? E se a Sra. Primeira Parcela ficasse com ciúmes da minha mãe? Enfim, fosse qual fosse o motivo: e se o Sr. Décimo Terceiro não viesse?

Seria uma tristeza de um cinza sem fim.

Passei a tarde jogando bola ali perto do Hospital. Depois, vagando por lotes vazios, derrubando latas de óleo com pedradas. No fim do dia, já na rua, antes de entrar em casa, ouvi a voz do seu Antônio Lalá. Entrei correndo. Ele e meu pai estavam ajeitando a televisão na estande. Então eu soube que tinha corrido tudo certo. O Sr. Décimo Terceiro tinha passado mais uma vez. 

Infelizmente, como das outras vezes, eu não o tinha visto. Tudo bem. Quando o Cavalo de Fogo surgiu roxo azulado na tela, correndo com os olhos vesgos, eu fui me esquecendo daquilo tudo.



19/08/2011

Dois lados


O cara me enviou o conto por email. Não gostei do texto e fiz alguns apontamentos. Mostrando alguns probleminhas e coisas explícitas demais. Dessas coisas mais simples que a gente faz numa oficina literária. Dá e ouve opiniões. Aceita as que fazem sentido e descarta as que não fazem. Enfim, sugeri a ele que cortasse alguns trechos e expressões meio batidas, e que no fim das contas, ele deveria reescrever, deveria trabalhar mais o texto. Ele me respondeu furioso. Disse-me que o conto estava pronto e que não ia mudar nenhuma linha. Disse que tinha uma obra sólida, mais de quarenta livros publicados, mais de trinta anos de literatura!, como se esfregasse isso tudo na minha cara. Fiquei um pouco chocado com isso tudo. (Eu, que nem tenho obra ainda, um livrinho só, dois anos de literatura? que talvez nunca tenha uma obra sólida, afinal, tudo que é sólido se dissolve no ar, eu pensei). E pensei em dizer a ele que o fato de ter quarenta livros publicados e um prêmio, e trinta anos de literatura, não fazia daquele conto um bom conto. E muito menos me obrigava a gostar daquele texto. E que tinha gasto meu tempo (de graça!) lendo aquele conto, na maior boa vontade. Tinha me dado ao trabalho de comentar, de apontar, de sugerir. E da forma mais honesta possível, oferecido minha impressão de leitura. Agora, no fim das contas, ele me retribuía isso com ofensas e indiretas? Mas não. Tudo bem. Respirei fundo, contei até dez, e disse que eu tinha feito apenas algumas sugestões, (o que de fato era verdade), e não estava questionando a obra dele (outra verdade), e quanto ao texto, ele tinha liberdade e autonomia pra fazer aquilo que achasse melhor. E ficou tudo bem.
Foi mais ou menos isso.

*** 

Faz um ano que venho trabalhando naquilo que eu espero que seja um livro. Precisava muito de um olhar externo para saber mais ou menos como a coisa está. Primeiro, porque o texto é produzido na mais absoluta solidão. É só você e o texto. É só assim que funciona. E eu tenho tentado construir um estilo bem diferente do meu primeiro livro. Enfim. Nunca é fácil. A gente muitas vezes sente intuitivamente se a coisa vai vingar ou não, e vai avançando, mas, têm horas que a coisa complica, e essa leitura externa mais ou menos imparcial é fundamental. Enviei um trecho a um escritor que admiro e respeito muito o trabalho. Ele foi o mais direto possível: “não gostei do texto”. Apontou os motivos, fez marcações e ainda corrigiu umas crases! Explicou aquilo que o incomodava. E ainda se deu ao trabalho de apontar claramente no primeiro parágrafo aquilo que na visão dele enfraquecia o texto. Ou seja, de uma honestidade e generosidade que não há como retribuir. Não há muita gente assim por aí, não é?

Bom, é mais que evidente que isso não me desanima e muito menos me deixa ofendido. Muito pelo contrário! Abre possibilidades: ver as coisas de forma mais arejada. Voltar ao texto com outro olhar. Melhorar. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Me ajudou demais.
Eu só tenho a agradecer.

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Isso tudo me lembrou o José Lins do Rego. Segundo o Graciliano, o Lins do Rego, sempre que recebia um texto, já tinha uma resposta pronta: “Adorei seu texto, achei tudo lindo e maravilhoso!”. Ficava bem com todo mundo, é claro. Mas, por outro lado, assassinava uma centena de bons escritores em potencial. No fim das contas, se a gente for pensar bem, era uma boa forma de eliminar a concorrência.

14/08/2011

As coisas vão muito bem



Essa coisa de montar uma casa, um espaço só seu, engana a gente. A gente enche o lugar de objetos redondos, artesanatos exóticos ou cadeiras recicladas. Caretas coloridas sem expressão. Carrancas. Você encosta a bunda na poltrona e pensa. Isso tudo é meu. Como uma criança cercada de brinquedos. Mas de repente você anda de um lado para outro da casa sem saber muito bem o por quê. Está tudo em seu lugar, mas a casa parece chata. Tudo bem. Basta comprar um Buda de gesso. Um jarro de palha. Trocar a estante de lugar, arranjar um abajur que combine melhor com as paredes. Levar a luminária da sala para o quarto. Trocar o espelho do banheiro. Mexer na decoração. No fim, você olha aquilo tudo e pensa: é isso, agora está certo. Mas nunca está certo. E aí tudo se repete, de novo, de novo e de novo. E você nunca entende que a falha não está nos objetos. Daí você vai lá, feito um macaco bem treinado, e compra mais um cacareco azul e entulha num canto.

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Esses dias encontrei com um cara. Fazia anos que não o via. E foi isso que eu disse. As coisas vão muito bem. Porque é isso que as pessoas querem (precisam) ouvir. Então a gente responde como numa entrevista de emprego. A frieza do cano da arma roçando na nuca. As coisas vão muito bem (a possibilidade de algo errado as assusta, precisam exorcizar toda fragilidade, porque saber que as coisas não estão bem com você, pode despertar nelas alguma coisa soterrada e escondida, pode trazer à tona o fato de que talvez elas não estejam nada bem). Mas elas não precisam apenas ouvir você dizer que está tudo bem. São insaciáveis. Precisam ouvir você dizer que tudo está sempre bem. Que tudo que passou foi bom. Que tudo vai ficar bem. Não porque se importem de verdade. Porque as pessoas só querem se distrair e se divertir. Sempre. Aproveitar tudo. Como se tudo fosse importante. Como se vivessem num mundo sem lixeiras onde nada é descartado. Não querem saber se seu vagão escapou dos trilhos, e que você talvez esteja agonizando nos escombros. E você também não quer incomodá-las, é verdade. No fim das contas, elas torcem (voyeurs à distância, empunham bandeiras?para que dê tudo certo. E costumam dizer, “você tem que pensar em você mesmo”. Porque é exatamente isso que elas fazem, elas só pensam nelas mesmas.

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Aquelas duas mulheres na mesa à minha frente. Pareciam turistas. Uma delas era feia como uma escavadeira com a lataria esturricada no sol, a outra, parecia uma dessas mulheres de algum filme cult dos anos 90. A julgar pela forma que se vestiam, e pelo clima de discussão, acho que deviam ter visões de mundo quase opostas. Mas eu não dei muita atenção para a conversa. Fiquei imaginado porque elas estavam juntas. Por que faziam companhia uma a outra. É claro que se eu fosse até lá e perguntasse, elas iriam evocar argumentos abstratos como amizade e coisas assim. É isso que as pessoas fazem. Sacam clichês abstratos para não pensar nas coisas. De toda forma, para mim a coisa entre elas era mais primária. Aquela feinha precisava da bonitinha. Era a única maneira de atrair homens mais interessantes. A bonitinha sentia-se mais bonita perto da feinha. Mais segura. Questão de contraste. E entrava no jogo, mesmo sem perceber. Acho que nenhuma delas sequer suspeitava. A mais feinha, talvez. Parecia mais ardilosa. Não sei. No fim das contas, diziam uma a outra algo como "gosto tanto da sua companhia. Me sinto bem aqui com você". E não entendiam o motivo. Fiquei um pouco comovido, sabe? Essa triste poesia exalando da fissura entre as pernas. Mas só um pouco.

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A gente encheu a casa com plantinhas. Eu não sei o nome dessas plantinhas. É coisa da Íris. Encher a casa com plantinhas na varanda, na sala, na cozinha. Um vaso com flores no criado mudo e esse tipo de coisa. Ela me diz é que para tornar o lugar mais agradável. Homens desgraçados se matam de trabalhar a troco de mixaria para encher isso de concreto e ferragens, para expulsar a selvageria e a sujeira das florestas, para que as pessoas sintam-se limpas e seguras, (mas as pessoas nunca sabem o que querem de verdade, ou melhor, preferem pensar que não sabem o que querem, acham isso chique), então enfiam badulaques, cacarecos, e mato dentro de casa. A Íris encheu a casa de mato, quadros, badulaques. A gente não pode passar por uma dessas lojinhas de cacarecos inúteis e voltamos para casa com uma dessas bobagens enfiadas em sacolas de plásticos. Isso está se transformando numa floresta. Talvez fosse melhor voltar para a selva. É a maneira mais honesta de se dormir enroscados em serpentes.

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As coisas vão muito bem.

parzinho


“O parzinho no comboio. Ambos feios. Ela agarra-se a ele, ri, excitada, seduzindo-o. Ele, de olhar sombrio, sente-se embaraçado por ser amado diante de toda a gente por uma mulher da qual não se orgulha.” 

Albert Camus, Cadernos (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições “Livros do Brasil”, Caderno nº2 ( Setembro de 1937/ Abril de 1939).



13/08/2011

silence in disguise

"We would like to take the sights
 (that's why I hold you)
And bring silence in disguise".


11/08/2011

"o sonoro choque do ar contra o ar"

"Acontece muito raramente. O eixo da Terra guincha e acaba parando. Tudo então fica sem se mover: tempestades, navios, nuvens pastando pelos vales. Tudo. Mesmo cavalos num pasto se tornam imóveis como num jogo de xadrez.

E depois de um tempo o mundo se move de novo. Algum oceano engole e regurgita, vales devolvem seus vapores e cavalos passam do campo escuro para o campo branco. Também se ouve o sonoro choque do ar contra o ar."

Quando o mundo para, Zbigniew Herbert In: Dubito Ergo sum.

09/08/2011

Ele é muito velho



A janela ficava sempre fechava e o rádio chiando o tempo todo. A madeira encarnava um cinza fosco, recortado por manchas pretas. Quando eu subia aquela rua, ouvia as rezas em loop contínuo se aproximarem, misturado aos chiados do rádio vacilante, sintonizado em AM. Eu pregava os olhos na janela e continuava subindo. Acho que era um terço, algo assim. Aquilo que a legião de vozes sussurrava através do rádio, chiando, como se a mensagem viesse de uma dimensão paralela ou coisa do tipo. Eu sabia pouco. Sempre soube pouco. Mas fiquei curioso com aquilo. Havia um homem lá dentro e aquela janela estava sempre fechada. Não entendia porque um homem ficaria o dia todo lá dentro, provavelmente deitado, ouvindo rezas e rezas. Lembro que perguntei a minha mãe por que o homem não saía de lá.

“Ele é muito velho”.

Não sei muito bem como encarei essa explicação. Talvez tenha entendido a debilidade física. A incapacidade de juntar-se àqueles velhos que ficavam na praça, que eu via todos os dias. Àquele que carregava alfaces frescas na rua. Não sei bem. Talvez ele tivesse algum problema. Talvez fosse tão velho que já não conseguisse andar. Talvez não tivesse pernas ou elas simplesmente não funcionassem. Mas mesmo isso não explicava a janela fechada, e muito menos explicava aquele rádio, rezando dia após dia, como se fosse expulsar uma legião de demônios, ou aliviar uma culpa secreta, dessas que esmagam o coração de um homem.

Quando o homem morreu eu fui ao velório. As rezas eram as mesmas. Só que agora eram os vizinhos ali, rezando. Outros vizinhos na cozinha, rindo. Barulho de xícaras e copos. Tinha mais crianças ali, outras correndo na rua. O homem estava estendido na sala. Era realmente muito velho. A pele igual papel de tão branca e fina. Mas não era isso que me impressionava tanto. Fui andando na direção do quarto. O assoalho de madeira cheio de vãos. Lembro do cheiro de roupa guardada, um cheiro forte. A cama desarrumada. Um lençol fino, branco, misturado ao cobertor leve e sem cor definida. Restos de velas no criado mudo. Uma caixa de fósforo e o rádio. Era pequeno, cinza, com a antena encolhida. As pessoas atrás de mim continuavam repetindo como que hipnotizadas. Eu simplesmente estiquei a mão, ia rodar a chavinha. Mas minha mãe me puxou. Me levou de volta pra sala. Fiquei ali encolhido, no meio de todo mundo. Encolhido num canto, arremedando aquelas vozes da melhor forma que podia.