14/04/2011

Daniel Galera e a escrita.

Acho que é a última carta da troca de correspondência entre o escritor Daniel Galera e editor André Conti, no blog do IMS. E não poderia ter fechado melhor. Falando da sua relação com os editores, Galera levantou uma vigorosa reflexão sobre a escrita:

"Mas o principal, acredito hoje, tem a ver com esse isolamento radical do momento criativo, a separação crítica, na literatura, entre o ato expressivo e o instante da fruição alheia. Que é o oposto, talvez, do que acontece com o ator, que pode até se preparar em reclusão, mas terá de desempenhar para a plateia, para a equipe de filmagem ou pelo menos para o diretor ou operador de câmera em algum momento. Mesmo um pintor, ele pode trabalhar em reclusão, mas se pensamos na obra, ela se oferece inteira a quem espiar pela fresta durante o processo, a pessoa bate o olho num quadro inacabado e ali está ele, inacabado mas inteiro, um fotograma total daquela etapa do trabalho.

O escritor de literatura não apenas pode trabalhar em reclusão, ele é quase obrigado a fazer isso, e não se pode bater o olho num original inacabado, não se pode apreendê-lo de imediato, é preciso ler, percorrer todo o percurso da obra inacabada numa situação que exclui o autor tanto quanto o processo criativo do autor exclui o leitor. O autor estará sozinho no que faz até o fim do processo e em geral por um bom tempo após o fim do processo também, e pode haver meses entre o ponto final e aquele dia em que o primeiro leitor da obra se aproxima e diz alguma coisa.

Caso não tenha ficado rocambolesco demais pra entender, foca nisso, nessa cisão extrema dos lugares que ocupam o autor enquanto trabalha e o leitor quando lê. Eu acho que é isso que me fez aderir à escrita. Que haja esse isolamento e esse descompasso e que, apesar disso, se possa ler um conto, um romance ou um poema e não apenas ter a impressão de que foi fácil, óbvio ou inevitável que alguém o tenha inventado e escrito daquela maneira, mas de que ele foi escrito para nós ou, em casos extremos, sublimes, por nós mesmos. E houve um momento da minha vida em que concluí que era desse jogo que eu precisava tentar participar, no papel de autor, e que seria melhor transitar nisso e fracassar do que ser bem-sucedido em qualquer outra coisa."

Texto integral: "Teu protagonista não convence: refaça", Daniel Galera 13.04.2011

3 comentários:

oi.