18/11/2010

Do conto genial que eu não escrevi


Sempre aparece uma ideia de um conto.

Conto do cara que sai pra comprar cigarro e nunca mais volta, do personagem obcecado pela janela ou pelo espelho, um desses contos que surgem como ideias geniais na cabeça (como o mundo das ideias é perfeito), e logo se vai distribuir frases cuidadosas, abrir o parágrafo com a descrição minuciosa de uma tempestade que assola uma cidade sem nome, ou o maravilhoso nascer ou pôr do sol, tingido as coisas de laranja, aquelas nuvens bonitas que dói; a cena de sexo mecânico num apartamento de uma grande cidade, o casalzinho adolescente e seus típicos tropeços de relacionamento; jovens com crises existenciais, o diálogo truncado e cheio de subtendidos, e  o amor que termina, com ou sem boom no final.

Tudo bem.

Logo se vê o descabimento, os clichês e se abandona a bobagem. (como o mundo das ideias é delicioso, não?)

Mas dessa vez a ideia era boa. Ou pelo menos imponente de um modo obsessivo.

Um carrapato de ideia.

Passei dias pensando nesse conto. Entrava no banho e estava lá  o conto, debaixo do sabonete. Ia comer, e encontrava o maldito do conto no meio do arroz com feijão, debaixo da folha de alface. Uma desgraça impertinente essa ideia. Espantava o apetite. Emagreci uns dois quilos mais ou menos. Era como uma voz fantasmagórica e sedutora na minha cabeça, uma voz num misto de Natalie Portman e Scarlett Johansson sussurrando na minha cabeça: “Vem cá, gostosão, me escreve.”

O mais puro canto de sereia. Argumentando dia e noite como ele, o conto, seria genial. Já via tudo! Antes de escrever já antevia os aplausos, os prêmios literários das universidades, um dos jurados de gravata azul marinho se aproximando para me apertar a mão, elogiar a efusividade e contemporaneidade da minha prosa, o flerte com a produção pós-moderna, a originalidade e o ritmo avassalador, e depois, ao final, esse sujeito de gravata azul marinho me dava um tapinha nas costas e dizia “você vai longe, menino.”

Dá pra imanginar  os calafrios que esse delírio me causava.

Mas vamos à ideia. Não tinha o enredo nem os personagens. Isso eu ai desenvolver depois. Porque o importante era a estrutura. Era um conto de estrutura metanarrativa espiralada ad infinitum. A história de alguém que conta uma história de alguém que conta uma história de alguém que conta uma história de alguém que conta uma história até o infinito. Não sabia como ia fechar, mas não tinha muita importância, porque, por definição, não tinha mesmo como fechar. A saída era fechar por ressonância, uma cena que servisse de metáfora para a própria estrutura metanarrativa espiralada ad infinitum. Só não sabia qual cena. Mas tudo bem.

Natalie Portman e Scarlett Johansson tagarelando: “Vem cá, gostosão, me escreve.”

Deus do céu!

Mas consegui me livrar do conto. Estava lá, vendo TV, com o conto sentado do meu lado,  pulando de um canal a outro da Sky, até que parei nos Simpsons. Arrepiei os cabelinhos do braço na mesma hora. Vocês não vão acreditar, mas a estrutura daquele episódio, The seemingly Never-Ending Story era a mesma estrutura do conto que eu ia escrever. Idêntica. A maldita da estrutura do conto tava toda naquele episódio. Dá-lhe Jung. Sincronicidade pura(ou talvez, eu tenha visto o episódio  numa outra vez e me esqueci, e fosse essa memória latente a causa da ideia).

Para o bem ou para o mal, daquele momento em diante, o conto sumiu. Limbo.

Confesso que foi bom arremeter os delírios do homem de gravata azul marinho. Fui tomado por certo alívio, como quem tira o peso das costas, uma visita inconveniente vai embora; além, é claro, de ser muito constrangedor ficar nu na frente de um conto.

Mas pelo menos de uma coisa eu vou sentir falta: Natalie Portman e Scarlett Johansson me chamando de gostosão.

Fazer o quê, não é? paciência. 

A vida quase nunca é justa.

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Um comentário:

oi.