08/02/2011

Tudo é ar

"Tamanha sabedoria como a minha veio de forma inconsciente, e vejo meu cérebro como uma massa de pensamentos hidraulicamente compactados, um fardo de ideias, e minha cabeça como uma lâmpada de Aladim lisa e lustrosa. Bem mais belos devem ter sido os dias nos quais o único lugar em que um pensamento podia se afirmar era o cérebro humano, e quem quisesse esmagar ideias tinha que compactar cabeças, mas nem isso teria adiantado, pois os pensamentos reais vêm de fora e viajam conosco feito a sopa de macarrão que levamos para o trabalho, ou seja, os inquisidores queimam livros em vão. Se um livro tem algo a dizer, ele queima com uma risadinha silenciosa, pois todo livro que preste se projeta para fora de si. Acabo de comprar uma dessas minúsculas máquinas que somam, dividem e calculam raiz quadrada, uma geringonçazinha menor do que uma carteira, e depois de tomar coragem e forçar a parte de trás com uma chave de fenda, fiquei chocado e me diverti ao não encontrar nada além de uma geringonça ainda mais insignificante — menor do que um selo e mais fina do que dez páginas de um livro —, isso e ar, ar eivado de variações matemáticas. Quando meu olho pousa em um livro real e olha a palavra impressa, o que ele vê são pensamentos descarnados voando pelos ares, deslizando no ar, vivendo do ar, voltando para o ar, pois, no fim, tudo é ar, assim como a hóstia é ar, e não sangue de Cristo."

Uma solidão ruidosa, Bohumil Hrabal. (Companhia das letras, 2010) Tradução: Bruno Gomide p. 8

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