24/05/2011

Chegar na média

IINCREDIBILIS a creative blog by Enrico M.

Aquele que diz: “quem corre atrás, sabe como é, não cresce o olho no que é do outro”, está no mesmo barco daquele que diz: “você tem todos os dentes na boca, fala direitinho, como pode torcer para o Corinthians?”. E quem diz isso está com um pé, ou dois, não se engane, no mesmo barco preconceituoso daquele que diz “gente diferenciada” e paga 30 contos no ingresso do Politicamente incorreto, financiando o preconceito e dando risada de barriga cheia, no ar condicionado, depois mandando a polícia descer o pau, em cidadãos desarmados, numa manifestação pacífica e democrática. 


Esse mesmo sujeito de classe média é inoperante. Como quem solta um pum retórico as escondidas pra espantar pernilongos, torce, de longe, no conforto das suas grades, pela obrigação de enfiar os filhos dos políticos nas escolas públicas; e não faz absolutamente nada de concreto. Muitas vezes vota nulo (!). E raramente esse sujeito estudou numa escola pública, e muito menos colocaria os próprios filhos numa escola pública, ou abandonaria seu empreguinho na fundação não sei o quê, talvez financiada por um banco (!) ou pela renúncia fiscal de uma multinacional qualquer, pra se entrincheirar na sala de aula de uma escola pública. 


O problema é que a classe média privilegiada inchou tanto, que quando usamos a própria expressão privilegiada, logo vem as pedradas. Hipócrita, arcaico, demagogo, o escambau. Ninguém mexe nos privilégios da classe média, ninguém mexe na família enraizada na ética e na estética do poder de consumo como base moral da exclusão, no Direito de uma só via amarrando as desigualdades, na propriedade e na geografia da miséria. É o new cabresto. Um curral simbólico, porque quem mais sofre com essa desigualdade, infelizmente, não deseja a igualdade, senão para si, ou com boa vontade, um desejo absurdo de um mundo justo que cairá do céu, como se todo mundo ganhasse sozinho na mega-sena sem jogar. 


O carinha da classe baixa precisa chegar na média. O carinha da classe baixa é domesticado desde o berço pra querer ganhar mais grana, comprar um carro novinho, iPhone, vestir as roupas que o carinha da classe média veste, e mais nada. O carinha da classe baixa é treinando pra desejar frequentar os lugares que o carinha da classe média frequenta. Treinado para desejar pegar as menininhas de roupinhas coloridas no paraíso dos shoppings, nas festas em boates com drinks coloridos e luzinhas super legais. Porque é ali (dizem) que a vida de fato acontece, cheia de som e fúria. E os próprios professores, a televisão, bibliografia de auto-ajuda, os pais, religião, pregam a perseverança do batalhador de orelhas murchas, da alegria constante e inabalável, da coragem irrestrita, não tem medo de pegar no batente, seja qual for, pra chegar lá, correr atrás desses sonhos (de consumo impingidos artificialmente pela publicidade), mesmo que saia a quilômetros de distância em desvantagem. E sem saber porque está em desvantagem: talvez, porque Deus quis, porque a vida é naturalmente assim. E isso só tende a piorar com o tempo. O carinha tem que chegar na média.

IINCREDIBILIS a creative blog by Enrico M.


Se todo mundo tiver o mesmo poder de consumo, e consumir irresponsavelmente como a classe média consome, pintada de verde sintético, é o fim do mundo. Onde vão enfiar tanto lixo? Tantos carros? Tantos badulaques e cacarecos obsoletos? Afinal, as indústrias trabalham a todo vapor, entulhando novos badulaques e cacarecos obsoletos nas prateleiras, e pra se comprar é necessário descartar, é preciso se livrar dos cacarecos antigos, é preciso leveza para se consumir. 

Por isso essa suposta leveza espiritual, que tanto pregam por aí, não é leveza espiritual porcaria nenhuma. Tem a base concreta enraizada na lógica do consumo rápido, rasteiro, constante. Não se prender a nada e se livrar das coisas rápido, é simplesmente para manutenção do estado de constante consumidor, de mãos livres, sempre livre para consumir, sempre em processo, sempre em movimento, nunca parado. Afinal, o dinheiro tem que girar. Parar é um pecado e a contemplação é um crime. Dinheiro não tem raízes, o dinheiro tem que viajar. O dinheiro é livre, você e eu, não. 


O que a gente faz? Boa pergunta, suicídio é muito anos 70, greve de fome já tá excessivamente banalizado (até o Garotinho fez), e as milícias revolucionárias estão tão fora de moda em terras tupiniquins, ainda mais agora que começou o Campeonato Brasileiro, e logo tem o Rock in Rio, SWU, fim de ano em Ubatuba e a Copa (!). E você não vai querer organizar uma revolução e perder o Rock in Rio, SWU, fim de ano em Ubatuba e a Copa. 

Ou vai?


Um comentário:

  1. Eu não pretendo organizar uma revolução, mas quero sentar e ver até onde isso tudo vai dar... =D

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oi.