Aprenda a abrir um conto com um parágrafo descritivo:
“Bateu um vento naquela tarde, trazendo rajadas de chuva e fazendo os patos voarem para longe do lago, em explosões pretas, em busca de abrigos sossegados no meio da mata. Ele estava nos fundos da casa, rachando lenha e viu os patos passando sobre a rodovia e descendo no pântano por trás das árvores. Ficou olhando, grupos de meia dúzia, na maioria em pares, um bando depois do outro. Para além do lago, já estava escuro e enevoado e ele não conseguia enxergar a outra margem, onde ficava a serraria. Passou a trabalhar mais depressa, batendo a lâmina de ferro com mais força nos pedaços secos e grandes da madeira, rachando tão fundo que os pedaços podres se estraçalhavam. Na corda de secar roupa da sua mulher, estendida entre dois pinheiros, lençóis e cobertores estralavam por causa do vento com um som de tiros. Ele fez duas viagens e levou toda a lenha para a varanda antes de a chuva começar a cair.”
Os patos, Raymond Carver. Você poderia ficar quieta, por favor? 68 contos de Raymond Carver, pág. 206. Tradução: Rubens Figueiredo, Companhia das Letras, 2010.
"Nos velhos tempos, Hortons Bay fora uma cidade madeireira. Ninguém que lá vivesse estivera livre do barulho das grandes serras da serraria perto do lago. Depois, certo ano, não havia mais troncos para fazer madeira. As barcaças entraram na enseada e foram carregadas com a madeira que ficara empilhada no cais. Todas as pilhas de madeira foram levadas. O grande edifício teve toda a maquinaria desmontável removida e içada para a barcaça pelos homens que trabalhavam na serraria. A barcaça saiu da enseada em direção ao lago aberto, carregando as duas grandes serras, a carreta móvel que arremessava os troncos em direção à serra circular e todos os rolos, rodas, correias e ferros que foram empilhados num porão cheio de madeira. Cobriu-se a boca do porão com lona bem amarrada, encheram-se as velas, e a escuna moveu-se para o lago aberto, carregando tudo o que fizera da serraria uma serraria e de Hortons Bay uma cidade. ”
Fim de algo, Ernest Hemingway. Contos de Hemingway, pág. 20. Tradução: A. Veiga Fialho. Civilização Brasileira, 1969.
“Durante vários dias seguidos escombros de um exército em retirada haviam atravessado a cidade. Não era uma tropa, mas hordas em debandada. Os homens tinham a barba comprida e suja, uniformes em farrapos, e avançavam com um ar combalido, sem bandeira, sem regimento. Todos pareciam arrasados, esfalfados, incapazes de um pensamento ou de uma iniciativa, caminhando apenas por hábito, e caindo de cansaço tão logo se detinham. Viam-se principalmente reservistas, gente pacífica, rendeiros tranquilos, curvados sob o peso do fuzil; pequenos moblots* alertas, fáceis de assustar e prontos ao entusiasmo, tão dispostos ao ataque quanto à fuga; depois, no meio deles, alguns culotes vermelhos, destroços de uma divisão esfacelada numa grande batalha; artilheiros sombrios alinhados com infantes dos mais variados; e, por vezes, o capacete brilhante de um dragão de passo arrastado que a muito custo seguia a marcha mais lépida dos soldados de linha."
*Apelido dado aos soldados da Garde National Mobile, formação militar francesa organizada de 1868 a 1871, em razão da Guerra Franco-prussiana, constituída principalmente por jovens que não tinham feito o serviço militar (N. E. F.)
Bola de sebo, Guy de Maupassant. 125 contos de Guy de Maupassant, pág. 34. Tradução: Amilcar Bettega. Companhia das Letras, 2009.