Satan Smiting Job with Boils, William Blake.
"Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor, e feriu Jó de úlceras malignas, desde a planta do pé até o alto da cabeça". Jó 2:7
Curioso, Blake colocar a mulher [aquela que diz a Jó: 'Persistes ainda em tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre duma vez!" 2:9 ], junto aos pés de Jó, apoiada à planta do pé. Na visão de Blake, ao que parece, a mulher de Jó era também uma úlcera, fervendo a planta dos pés.
Mas não se trata de pura misoginia da época, creio. Pelo contrário. Já que, na sabedoria cristaliza, a mulher (mãe que carrega o filho, a esposa que dá suporte, "a moça que me ajuda lá em casa"), é vista exatamente como apoio. Aquela que suporta todas as dores.
E a fala da mulher, está longe de oferecer suporte; é um buraco que se abre sob os pés de Jó. Pronto a devorá-lo. É a consciência lúcida da vacuidade daquilo tudo:
Mas não se trata de pura misoginia da época, creio. Pelo contrário. Já que, na sabedoria cristaliza, a mulher (mãe que carrega o filho, a esposa que dá suporte, "a moça que me ajuda lá em casa"), é vista exatamente como apoio. Aquela que suporta todas as dores.
E a fala da mulher, está longe de oferecer suporte; é um buraco que se abre sob os pés de Jó. Pronto a devorá-lo. É a consciência lúcida da vacuidade daquilo tudo:
"Se o homem não tinha uma consciência eterna, se no fundo de todas as coisas ele só tinha um poder selvagem e borbulhante produzindo todas as coisas, o grande e o fútil, no turbiIhão de obscuras paixões, se o vazio sem fundo que nada pode preencher se escondia sob todas as coisas, que seria pois a vida senão o desespero?", Kierkegaard, citado por Camus, no Mito de Sísifo.
***
A fala da mulher está ali, não apenas pra ser refutada, feito um argumento de lógica. Tampouco está ali como uma tentação. É necessária porque incorpora o irracional, um desacordo. De um lado, a fé de Jó num Deus mudo; de outro, o vazio sob os pés de Jó, a desrazão em continuar.
[Persistes ainda em tua integridade?]
E essas palavras ecoam junto às fissuras roendo o corpo, feito um riso.
[Persistes ainda em tua integridade?]
Basta lembrar da serenidade que toma conta de Justine (Melancholia, 2011), à medida que o desaparecimento completo se torna, não apenas uma possibilidade reconfortante, mas inevitável.
Não há sentido em sofrer sem um motivo, ainda mais, emparedado pelo silêncio de Deus.
[na ilustração de Blake, representado pelo sol, que espia, com um riso cínico de canto de boca].
[Persistes ainda em tua integridade?]
E essas palavras ecoam junto às fissuras roendo o corpo, feito um riso.
[Persistes ainda em tua integridade?]
Basta lembrar da serenidade que toma conta de Justine (Melancholia, 2011), à medida que o desaparecimento completo se torna, não apenas uma possibilidade reconfortante, mas inevitável.
Não há sentido em sofrer sem um motivo, ainda mais, emparedado pelo silêncio de Deus.
[na ilustração de Blake, representado pelo sol, que espia, com um riso cínico de canto de boca].
e nenhum proveito sob o sol".
Eclesiastes 2:11, tradução de Haroldo de Campos.
Isso me leva a pensar em como a crença de Jó é absurda [em como a crença cotidiana nisso tudo é absurda e ridícula]. De toda forma, a resposta de Jó à sua mulher é estupenda: "Falas como uma idiota: se recebemos de Deus os bens, não deveríamos receber também os males?".
Eis o grande paradoxo.
Afinal, como resolver a questão: um Deus que oferta o mal?
Se a vida é um mal [mas quantos o sabem?], é melhor que desapareça. É mais ou menos isso que está em Melancholia.
[Persistes ainda em tua integridade?]
Mesmo depois da resposta de Jó, a frase da mulher continua ecoando entre as feridas, convivendo com a crença de Jó, amordaçado pelo silêncio de Deus.
Se a vida é um mal [mas quantos o sabem?], é melhor que desapareça. É mais ou menos isso que está em Melancholia.
[Persistes ainda em tua integridade?]
Mesmo depois da resposta de Jó, a frase da mulher continua ecoando entre as feridas, convivendo com a crença de Jó, amordaçado pelo silêncio de Deus.
E diante de tamanho paradoxo, só resta a contemplação. Essa é a postura de Jó.
***
Mesmo quando surge a voz de Deus, de um redemoinho ["o diabo na rua, no meio do redemoinho"], quebrando o silêncio, as palavras de Deus instauram o mistério, um abismo, um silêncio ainda mais vigoroso:
"Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderás.
Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?
Faze-mo saber, se tens entendimento."
Jó, 38:3,4.
Faze-mo saber, se tens entendimento."
Jó, 38:3,4.
"Então Jó respondeu ao Senhor, e disse:
Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mão sobre a boca."
Jó 40:3,4.
***
E mesmo que se restabeleça todas as coisas, o dobro das coisas que tinha antes: pra que diabos isso?
[Persistes ainda em tua integridade?]
Camus, disse que é preciso imaginar Sísifo feliz. Não sei se concordo.
Em todo caso, [sem cair na epidemia de manuais e receitas de felicidade ou no egoísmo], resta a contemplação. E pra mim, pelo menos, essa postura contemplativa, gratuita e desinteressada, parece a única resposta possível à questão do sofrimento [quiçá, da existência].
Camus, disse que é preciso imaginar Sísifo feliz. Não sei se concordo.
Em todo caso, [sem cair na epidemia de manuais e receitas de felicidade ou no egoísmo], resta a contemplação. E pra mim, pelo menos, essa postura contemplativa, gratuita e desinteressada, parece a única resposta possível à questão do sofrimento [quiçá, da existência].
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oi.