Não dormi. E me lembrei disso
quando disparei atrás do ônibus na Interlagos. Sem olhar pra trás. Não dormi,
eu disse pra ela [e sem clima de despedida olha
seu ônibus logo ali, sem beijos cortados por abraços afiados. Frases tipo:
Pegou a blusa no varal? Esqueci. Tudo bem, quando eu for eu levo. Tá bom]. Daí
que tinha um carinha de terno e moicano milimetricamente desarrumado na minha
frente. E aquilo me pareceu absurdo. Não dormi, eu já disse. Terno e moicano
bem comportado, escapando de um
desses outdoors. Saltado do outdoor e já
dando sinal pro ônibus. Já disse, não dormi. E no metrô a voz metálica forrada
de chiados disse, três ou quatro vezes, este
trem será evacuado na estação São Bento. Tudo bem. Uma pequena diarréia de
pessoas. Uns três minutos debaixo da terra. Contemplando trilhos. Três minutos
é quase o tempo de um cigarro [eu
pensei], fosse possível fumar nessa porcaria de lugar [às vezes eu gosto de
praguejar com a cabeça]. O terno tava meio desbotado [me lembrei] e o sapato
também meio desbotado [quase ri sozinho nessa hora, contemplando trilhos
debaixo da terra].
[corta pro guichê]
“Tudo lotado desde cedo!”, a voz
detrás do vidro.
“Mas ontem eu olhei e tinha 37
poltronas vagas!”.
“Quando vi a fila hoje cedo,
eu até me assustei”.
[corta pra tela do celular]
“Não tem passagem”.
“E agora?”
“Não sei”.
“Volta”.
“Não quero incomodar. Fica tranqüila.
Uma noite na rodoviária não mata ninguém”.
Mas ela nunca entende a piada.
[corta pro ônibus]
Olho embasbacado pra postura
zen-budista do cobrador mergulhado em algum tipo de meditação transcendental. Afastado
e protegido dos barulhos de metal, dos solavancos e os cartãozinhos que apitam e apitam girando a catraca num estalo depois do outro, pra voltar sempre no mesmo lugar.
Imóvel.
Pés cruzados, braços cruzados. E nos cruzamentos o queixo do mestre-zen-cobrador afunda no peito. O pescoço se dilata e se contrai. Algumas vezes cai de lado. Mas não. O desgraçado não acorda. É um Buda com a bunda virada pra porta da sala.
Imóvel.
Pés cruzados, braços cruzados. E nos cruzamentos o queixo do mestre-zen-cobrador afunda no peito. O pescoço se dilata e se contrai. Algumas vezes cai de lado. Mas não. O desgraçado não acorda. É um Buda com a bunda virada pra porta da sala.
Pra dar sorte, alguém me disse uma
vez.
***
Três da manhã eu fui fumar um
cigarro na varanda. Ouvi passarinhos cantando. No meio desse chiado e
burburinho de carros ao longe que nunca se cala, passarinhos cantando. Cantando como, sei
lá, como se fosse seis da tarde ou sete da manhã. Alguma coisa meio fora do lugar. Olhei pra cima, [a lua é sempre a mesma em qualquer lugar], mas a lua havia escorregado às costas do prédio. Apaguei o cigarro e tive certeza que não ia pregar os
olhos. Uma pequena profecia.
***
Antes de voltar eu entrei na
livraria. Olhar livros e não pensar em nada, eu pensei. Mas mal pisei na
livraria e uma dessas mocinhas me atacou tentando me vender alguma coisa. Perguntando
a data de validade do meu cartão. E mal me lembro da senha, eu devia ter dito.
Mas eu não dormi, não tinha mais passagens. Precisava voltar. E demorei demais
pra perceber o que é que ela tava querendo. É bem provável que eu devo ter
gaguejado uns grunhidos sussurrados. E ela deve ter interpretado esses barulhos
como demonstração de interesse da
minha parte [eu só queria olhar uns livros e não pensar em nada, eu pensei
outra vez]. Mas não tenho certeza. Ela continuou falando e falando e falando e
eu sei lá o que tava acontecendo. Só aí, num surto de lucidez, eu a encarei. E com a voz firme, disse [a primeira frase firme do dia]: pra quê isso? Ela gaguejou um pouco, ruborizou a face, começou uma
explicação longa e embaralhada. Desviando os olhos pro fundo da loja, mostrando
um folheto. A única palavra que consegui identificar foi revista. Daí, eu disse: Não,
revista não.
Ela se foi.
***
Peguei o cardápio na padaria.
Conferi o dinheiro de cabeça. Conferi os preços outra vez. Recontei o dinheiro
mentalmente uma última vez.
Ok, é isso.
Chamei o carinha e disse que queria um X-Burguer. Um X-Burguer?, ele disse, segurando um riso. É, eu disse, como se levasse um tapa no ouvido. Ele atravessou o balcão e disse pro carinha da chapa: Um X-Burguer. E o carinha da chapa riu, depois os dois riram juntos. E nessa hora só havia cansaço. Então me sentei, olhando imagens de um incêndio na televisão, depois de um carro aos cacos, mas o volume estava muito baixo. Não dava pra ouvir. Os caras continuavam rindo e repetindo X-Burguer. Tudo bem. Da próxima vez que tiver um dia assim, é melhor pedir um lanche sem r.
Ok, é isso.
Chamei o carinha e disse que queria um X-Burguer. Um X-Burguer?, ele disse, segurando um riso. É, eu disse, como se levasse um tapa no ouvido. Ele atravessou o balcão e disse pro carinha da chapa: Um X-Burguer. E o carinha da chapa riu, depois os dois riram juntos. E nessa hora só havia cansaço. Então me sentei, olhando imagens de um incêndio na televisão, depois de um carro aos cacos, mas o volume estava muito baixo. Não dava pra ouvir. Os caras continuavam rindo e repetindo X-Burguer. Tudo bem. Da próxima vez que tiver um dia assim, é melhor pedir um lanche sem r.
Eu estava prοcurando infoгmаções sοbгe
ResponderExcluirteste e enсontrοu о seu web.
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