21/09/2011

Oswaldo França Júnior, narrar para narrar.


Oswaldo França Júnior, 1948, com 12 anos de idade.


"O velho falava de um conhecido dele e da Maria que se chamava Inácio e que soube que sua mulher gostava de um cabo da polícia depois do cabo ter morrido. E ele havia perguntado à mulher se ela e o cabo tinham tido mesmo um amor. Ela respondeu que haviam se gostado, sim. E o Inácio durante toda uma noite ficou pensando naquilo e no dia seguinte, pela manhã, foi ao cemitério e começou a dar tiros na sepultura do cabo."

Oswaldo França Júnior, Os dois irmãos. p. 105.


Impressionante a quantidade de micronarrativas dentro desse livro. A quantidade de episódios dentro de episódios, e muitas vezes desligados da trama principal. E mesmo assim, o livro avança no ritmo correto. A estrutura do livro está enraizada na mais pura narrativa [se parece com Saer, em As Nuvens, embora as descrições abundem no texto de Saer]. O narrador, em terceira pessoa, narra apenas para abrir espaço paras as personagens narrarem. Histórias dentro de histórias, sem um sentido maior. Sem uma preocupação afetada demais com subtexto. A mão corre leve. Sem tiques, truques ou joguinhos. E não é fácil dar a impressão de apenas narrar e ainda sim provocar estranhamento.

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De toda forma, há esse fruir da história, e nem por isso é um livro óbvio. Pelo contrário. É um livro estranho. Intrincado. Personagens perseguindo ou atormentados por metas inexistentes, absurdas, inatingíveis; enquanto "o homem" fica sempre questionando por que diabos fazem isso, em especial, o irmão:

"— Para que todo este esforço? Outros já procuraram por aqui e desistiram.

Mas o irmão não havia dado resposta. Havia continuado seu trabalho, raspando o fundo de manhã à noite. Lutando um dia inteiro contra a correnteza para amarrar em cima da água duas tábuas e um feixe de paus.

— Isto não vai levá-lo a nada — dizia o homem.

Mas ele não respondia. Continuava de cima da sua espécie de plataforma puxando a enxada que vinha do fundo cheia de lama e de pedras."

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Há esse clima parecido com o Antigo Testamento, ou com O Castelo, de Kafka. Às vezes, é engraçado [mas, mesmo o riso é um riso esquisito], e mesmo quando é alegre é uma alegria estranha. Quando é triste é uma tristeza bonita, que acalma.

A mim, pelo menos, é isso que parece.

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“E ele cansou de esperar que os peixes aparecessem e que os figos ficassem do tamanho de uma abóbora. Cansou também de ouvir as pessoas perguntando sobre o recado de Deus. E um dia pegou uma espingarda e foi para a serra. E lá do alto começou a atirar para cima. Os que escutavam os tiros perguntavam o que estava acontecendo com ele.

— O que está acontecendo com o Claudiano?

E tinham medo de ir até a serra. Até os soldados ficaram embaixo, esperando que ele parasse com os tiros para então subirem.

— O único que foi e conversou com ele foi meu irmão — disse o homem.

E contou que o irmão tinha dito aos soldados quando voltou:

— Claudiano não quer parar com os tiros. Mas eles estão terminando.

E os soldados lhe perguntaram:

— O que ele está fazendo?

— Está dando tiros para o alto.

— Mas por que está fazendo isto?

— Está atirando em Deus.

— Em Deus? — estranharam os soldados.

— Ele disse que Deus mentiu para ele. E por isto está lá em cima tentando acertá-lo.”

Oswaldo França Júnior, Os dois irmãos. p. 79-80.

Um comentário:

oi.