16/09/2011

"e o coração dele batia feito um louco".

Um livrinho de poemas do Paulo Mendes Campos, de capa branca. Não sei onde foi parar. Procurei por ele entre meus livros [não é a primeira vez que procuro por ele], mas não encontrei. Sinto uma saudade muito grande desse livrinho.

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Eu estava começando o ensino médio. Gostava bastante daquela enciclopédia que vinha toda semana na revista ISTOÉ. Foi lá que li o nome Proust [ou melhor, vi aquela foto de olho caído, olhar blasé e fiquei impressionado: aquilo sim era um escritor de verdade], e ao ler que esse cara cheio de pose tinha passado grande parte da vida escrevendo sobre a mesma coisa, Em busca do tempo perdido, só aumentou minha admiração, me pareceu, à época [e talvez ainda persista esse ranço de inquietação] que aquele cara sabia de alguma coisa que ninguém mais sabia, ou que todo mundo sabia, mas que só ele sabia falar direito. Era realmente um escritor de verdade, eu sentia olhando aquela foto, às vezes uns vinte minutos, lendo e relendo o texto sobre o cara, e sempre com a certeza que era um cara bem diferente daqueles caras chatos que nos apresentavam na escola, no texto-fragmento com o vocabulário no rodapé, seguido de exercícios, ditado, no mesmo livro que se falava de um tal de Emplasto Sabiá [ref. Faraco & Moura, três volumes separados, capa listrada], que a gente comprava usado ou quando dava sorte, que foi o meu caso, pegava emprestado com um aluno do segundo ano. 

Foi também naquela enciclopédia da ISTOÉ que vi pela primeira vez uma "foto" de Rimbaud [e lia como se fosse Rim-baude, porque nunca tinha ouvido ninguém pronunciar], e fiquei abismado com o moleque, que tinha escrito tudo e largado tudo, assim do nada. Isso sim era um poeta de verdade, diferente daqueles poetas chatos que assinavam aqueles poemas quadrados chatos que a gente era obrigado a interpretar, dissecar, classificar as palavras, entender tudo, e do jeito certo, e ninguém queria saber se a gente tinha gostado ou não.

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Não era nenhum poema do Paulo Mendes Campos, nenhuma crônica. Havia duas traduções ao fim do livro. Provérbios do inferno, do Blake, e uma tradução do Monólogo de Molly Bloom, do Joyce.


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Um dos primeiros livros que peguei na biblioteca na UFSJ, foi o volume I de Em busca do tempo de perdido, No caminho de Swann, junto de Ulysses do Joyce. Era a primeira vez que tinha aqueles livros ali, tão perto. Porque da cidade que eu vinha [ref. caipira lifestyle], não havia livraria nenhuma [e ainda não há], tampouco uma biblioteca decente [hoje há]. E ninguém que eu convivia tinha esses livros. Lembro que voltei pra casa com a mochila pesada e ansioso. Meu colega de casa tinha ido a alguma dessas festas pra calouros de início de semestre. Eu disse que ia ficar em casa, disse que estava cansado. Menti em prol da literatura. Passei um café rápido e abri o livro do Proust com a sensação de finalmente ter encontrado aquele cara. De estar pronto a ouvir o que ele tinha a me dizer, pronto a receber alguma coisa grandiosa.

Mas não. Eu não estava pronto.

Apesar dos meus esforços, avancei algumas poucas páginas, e abandonei o livro. A mesma coisa com Joyce. Me senti profundamente culpado e burro.

Mas naquela mesma biblioteca, e por influência de amigos que gostavam também de literatura, descobri Kafka, Camus, Dostoievski, Henry Miller, Nabokov, Chuck Palahniuk, Graciliano, e aos poucos me esqueci dessa grande frustração.

Afinal, como diria Nietzsche:

"No fim das contas ninguém pode captar coisas, incluídos os livros, mais do que ele mesmo já sabe. Para aquilo que a gente não alcança através da vivência, a gente também não tem ouvidos." Ecce Homo.


Talvez seja hora de tentar outra vez.

***
Mas, hoje, sinto uma saudade terrível daquele livrinho do Paulo Mendes Campos de capa branca. Aquele exemplar em especial. Tinha rabiscado algumas coisas nas costas da última página do livro. Já não sei que coisas são. Só gostaria de pegá-lo agora, abrir, e ler.

"e puxei ele para mim para que sentisse meus seios perfumadíssimos sim
e o coração dele batia feito um louco
e sim
eu disse sim
eu quero muito
Sim".

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