14/01/2011

“Paris não tem fim”, Enrique Vila-Matas

A juventude é uma desgraça. Não vemos isso, ou porque somos jovens, geralmente bitolados num ponto vista que justifica a realidade como um todo e nossa postura imbecil e estreita diante das coisas; ou porque somos velhos nostálgicos, agarrados a visões melhoradas de nós mesmo e de um suposto mundo antigo, reconstruído artificialmente pela memória.

Ou não.

Talvez envelhecer seja a maior das mentiras, apenas o costume e o hábito impondo sua força, nos achatando, forçando a baixar a cabeça e acatar ordens ulteriores, internalizá-las e assumir imposições como se fossem atos genuínos [existem atos genuínos?]; e, essa suposta serenidade supostamente conquistada, a larga experiência construída ao longo de anos que viraram pó, apenas um misto de condicionamento e adaptação pacífica.

No entanto, resta a ironia.

E é a ironia a saída encontrada pelo narrador de “Paris não tem fim”, Enrique Vila-Matas [tradução: Joca Reiners Terron], Cosac Naify, 2007. O romance é estruturado a partir de uma conferência sobre a ironia, onde o narrador, alter-ego de Vila-Matas, rechaça seus anos de juventude em Paris e de formação como escritor, quando vivia numa água-furtada alugada da escritora Marguerite Duras [a divertida personagem que se comunica em seu francês superior].

O que a primeira vista poderia ser um simples romance de formação de caráter [bildungsroman], é um romance de “deformação” do caráter. Através de uma visão irônica sobre si mesmo, o narrador alter-ego, tenta demolir as imbecilidades da juventude, [supunha que a elegância estava no desespero, era um escritor iniciante incapaz de verter o desespero, fingido ou real, em literatura, e o que é pior – e comum – supunha que estar desesperado é necessário para escrever bem]. São tantas imbecilidades, que se não fosse o fino trato de humor dado por Vila-Matas ao texto, a coisa se tornaria um dramalhão vergonhoso.

O livro é recheado de episódios metaliterários, e dialoga diretamente com “Paris é uma festa”, de Ernest Hemingway, grande ídolo do narrador. Mas, "diferentemente de Hemingway," - explica o narrador, "que lá foi 'muito pobre e muito feliz', fui muito pobre e infeliz". Um dos episódios mais interessantes do livro, é uma hipótese levantada sobre o sentido de “Gato na chuva”, o impenetrável conto de Hemingway. Além disso, transitam por "Paris não tem fim" sujeitos como Roland Barthes, Borges, Perec, Beckett, entre outros. 

Se bem me lembro, das minhas já empoeiradas leituras de filosofia, a fina ironia socrática destronava a seriedade da aristocracia grega, não a fim de destruir o outro, mas ascender o outro ao status “mais verdadeiro”. Vila-Matas, creio, ancora-se nessa estirpe de ironia. Procura a não-destruição de si, típica da ironia vulgar e tão comum nos nossos dias, mas a ironia como desvelamento de uma verdade.

Qual verdade?

Se na juventude, o alter-ego de Vila-Matas sonhava viver como Hemingway, nômade, boêmio, desesperado, ser um “escritor de verdade”, terminaria por ser tornar um sujeito agarrado à sua escrivaninha. O jovem que foi a Paris para se tornar “escritor de verdade” e cujo único aprendizado fora escrever à máquina.

Dentre todas as possíveis leituras, o livro é uma forte indicação a jovens autores [necessariamente imprudentes – e aqui coloco a carapuça], imbecis, que desejam ser “escritores de verdade”. “Paris não tem fim” serve como uma espécie de manual para demolir algumas ingenuidades, mas não leva a lugar-algum, senão talvez, a ironia: 

“Não inventamos nada, acreditamos inventar quando na verdade nos limitamos a balbuciar a lição, os restos de alguns deveres escolares aprendidos e esquecidos, a vida sem lágrimas, tal como a choramos. E à merda”

“Não inventávamos nada? O narrador de Molloy estava certo quando dizia isso? E aprender? Também não aprendemos nada? Seriam, por exemplo, os tão desgastados e vívidos e tão prestigiosos anos de aprendizado de um escritor mera falácia? Vivíamos sem aprender nada e então, simplesmente, como diria Beckett, íamos à merda? Será que essa a única coisa que podíamos aprender neste mundo era que não inventávamos nada? O golpe de misericórdia me foi dado por Arrieta, presenteando-me com o romance Jakob von Guten de Robert Walser. Abri-o na primeira página, comecei a ler: 'Aqui se aprende muito pouco, faltam professores e nós, os garotos do Instituto Benjamenta, nunca chegaremos a nada, quer dizer, no dia de amanhã seremos todos pessoas muito modestas e subordinadas'

Bonito panorama.

Lembro de um dia de chuva, sentado na terraço do Café Rien de la Terre da rue Saint-Anne, em finais de janeiro de 1976, pensando no livro de Walser e me perguntando se não seriam realmente um falso mito os famosos anos de aprendizado.

'Aprendi algo sim, nos últimos anos, aprendi a escrever à maquina, isso é certo', disse a mim mesmo pouco antes de chamar o garçom, pagar a conta e abandonar aquele café e de passagem abandonar os anos de aprendizado. 'E à merda', lembro que pensei.” [Cap. 105. pág. 228]

Um comentário:

oi.