17/01/2011

Tragédias

A tragédia desperta sentimentos variados em quem vê à coisa de longe, de fora. Vão da indiferença completa até as lágrimas de uma dor profundamente compartilhada. Desperta reações diversas como diversas são as pessoas, cada um no seu mundo particular, vivendo como bem lhe convém.

Há quem diga que a coisa estava anunciada, esperando pra acontecer e ninguém tomou providência. Há quem evoque uma tautologia feroz e diga que a culpa de construir casas naqueles lugares é das pessoas que construíram as casas naqueles lugares, como quem diz que a pobreza é culpa dos pobres e a mendicância culpa exclusiva dos mendigos. Antes ele do que eu, há quem diga e agradeça à Deus. Há quem prefira o silêncio, como quem sabe que a melhor maneira de ajudar é não atrapalhando.

No fundo, essas tragédias são um prato cheio para os intelectuais. Sempre aparecem sujeitos prontos a sofismar em cima dos cadáveres, ainda frescos sobre a lama e entulho. Recorre-se sempre ao xingamento das autoridades competentes, políticos malandros (que nós elegemos) e todos esses clichês comuns neste país de sub-alfabetizados, da lógica do fogo de palha e da consciência tranquila a qualquer custo. Imprime-se jornais aos montes, com gráficos, fotos, argumentação polida, onde sujeitos de boa educação, que leram Foucault e Robert Kurz, que falam três idiomas e passam as férias na Europa, assinam seus nomes pomposos e importantes e nós, de cá, acatamos como verdade, o senhor tem razão. E quando vem a chuva, é esse mesmo jornal, rolando pra dentro do boeiro, entupindo, causando enchentes.

Dizem que o momento é de solidariedade, afinal, o brasileiro é um sujeito solidário, alegre, etc etc; dizem, também, que é o momento de estabelecer uma postura de cobrança efetiva frente às autoridades competentes, dos políticos malandros (que nós elegemos); pois é óbvio que, num governo minimante decente, tragédias como essa não carecem de um apelo à solidariedade individual como solução, porque, com a quantidade de impostos que pagamos, seria sensato haver instituições prontas a promover uma política de resguarda diante de tais eventos, além, é claro, de lidar com situações emergenciais com operacionalidade efetiva; afinal, dizem, é necessário pensar a longo prazo, transcender mandatos e focar as políticas estruturais. 

Dizem muitas coisas, é verdade, mas, no fim, não dá pra parar de pensar naqueles que precisam enterrar seus mortos, aprender a lidar com o luto e com a falta que não pode ser suprida.

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